14 abril 2015

A negação do outro



















2015, março, 25. O Palmeiras impôs ao SPFC a mais inapelável vitória em muitos anos de Choque-Rei. Foi um massacre, com o 3 a 0 não fazendo justiça ao que se viu dentro de campo. Mas, ao final de tudo, perto do apito derradeiro, havia, entre os quase 26 mil presentes ao novo Palestra, não mais do que uma dezena de torcedores visitantes. Uma dezena. Dez. Contavam-se, pois, em duas mãos os tricolores em solo alviverde. Para muitos, aquilo não fez a menor diferença. Para outros, fez toda a diferença do mundo. Para Paulo Nobre, responsável direto pelo vazio no setor visitante, foi uma vitória. Para o futebol, uma derrota imensurável.

Indo além da crítica à mentalidade elitista que vem extorquindo o palmeirense jogo após jogo, vou me concentrar nos efeitos futuros presentes de uma conduta em específico do mandatário de plantão: a nociva articulação para excluir as torcidas visitantes do estádio alviverde – e, por consequência, a torcida do Palmeiras de outras canchas.

Não pensem, pois, que o intuito de Nobre é a exclusão dos visitantes apenas em clássicos – o que, por si só, já seria gravíssimo. A verdade é que ele não medirá esforços enquanto não puder implantar, no Palestra, um regime de negação do outro, no caso, o adversário. Não é questão de um interesse momentâneo ou de mero alinhamento com autoridades constituídas; é, isto sim, aspiração decorrente de uma visão que entende o frequentador dos estádios não como torcedor, mas como consumidor – e isto, notem, é ele quem diz.

A mentalidade doentia do mandatário alviverde entende o torcedor visitante como uma figura indesejada, como alguém que não deveria estar ali, como se o "outro" não existisse.

De início, Nobre tentou excluir a torcida do SCCP do primeiro dérbi em 40 anos no nosso estádio: fez-se de capacho do Ministério Público, foi artífice do massacre imposto à nossa torcida na rua Turiassu e, calado, perdeu a primeira batalha. Sua ‘redenção’ veio no clássico seguinte, contra o SPFC: a exclusão da torcida visitante se deu por uma confluência de fatores, eles todos diretamente ligados ao indecente valor de R$ 200 por um ingresso. Ali, senhores, abriu-se um precedente perigosíssimo: a torcida visitante foi excluída de um jogo (de um clássico, ainda pior) pelo aspecto financeiro.

A verdade é que os visitantes têm enfrentado um cenário dos mais adversos desde a reinauguração do Palestra, em novembro passado, com o preço dos ingressos oscilando entre R$ 140 e R$ 200. Detalhe: para partidas absolutamente corriqueiras, de uma fase inicial de Campeonato Paulista. CENTO E QUARENTA REAIS! DUZENTOS REAIS!

Não vou aqui jogar luz sob a argumentação empregada por Nobre para defender tais valores – ela é, como quase tudo que vem dele, inconsistente. Tampouco vou me debruçar sobre uma análise, digamos, acadêmica sobre as motivações e implicações desse processo de “negação do outro” – até porque não sou a pessoa mais preparada para isso. Mas vou, aí sim, apontar as intenções e os efeitos decorrentes da articulação levada a cabo pelo presidente da S.E. Palmeiras.

Eis aqui a pretensão do presidente “win-win”: em não surtindo efeito as alianças escusas com autoridades constituídas (ou seja, se ele não tiver êxito como capacho do MP), ele seguirá tentando asfixiar os visitantes pelo bolso (ingressos a preços abusivos = setor visitante às moscas). Nobre, acreditem os senhores, é muito mais perigoso do que parece: em seu âmago, ele pensa ter direito de determinar quem pode e quem não pode entrar no estádio Palestra Italia. E sua ambição, ou pelas vias pretensamente legais ou pelo bolso, é eliminar por completo o setor de visitantes do nosso estádio: “Paulo Nobre enxerga o nosso estádio como seu brinquedinho e, como tal, quer definir quem com ele pode ou não pode brincar”.

Colocando em segundo plano a gravidade por trás da empreitada em si, é o caso de ressaltar o seguinte: nos 50% de jogos do Palmeiras disputados fora do estádio Palestra Italia, o palmeirense é este “outro”. É o “outro” que viaja para empurrar o Palmeiras à vitória por todos os cantos do Brasil. E é o “outro” também que, maioria entre os 16 milhões de palmeirenses, vive bem longe de São Paulo e tem raríssimas oportunidades de ver “surgir o alviverde imponente”. É o “outro” que ostenta a camisa alviverde em metade das vezes em que o Campeão do Séxulo XX vai a campo.

Para Nobre, no entanto, o palmeirense como “outro” não interessa porque não contribui para os cofres do clube. Tanto é assim que ele já admitiu algumas vezes “não fazer questão de solicitar a carga de ingressos nos jogos do Palmeiras como visitante”.

É um raciocínio por demais perigoso: ao negar o "outro" que vem visitar o estádio Palestra Italia (pelo bolso ou pela vontade desmedida de não aceitar sua presença em nossa casa), o presidente do Palmeiras está negando o "outro" que é o torcedor palmeirense em todos os demais estádios deste país.

(...)

Eis então que seremos o “outro” neste duelo do próximo domingo, na zona leste, contra o arquirrival cuja torcida Paulo Nobre tentou impedir de vir à nossa casa, na outra ponta da linha 3 do Metrô.

Notem, por favor, que, se tivesse obtido êxito como capacho do MP há pouco mais de dois meses, o Palmeiras iria para esta semifinal histórica sem torcida. Sem torcida!

Como tal aberração não se concretizou (e nossa ida a Itaquera no próximo domingo está sendo avalizada pela reação virulenta do então presidente do SCCP), teremos de enfrentar agora somente a reciprocidade no preço dos ingressos – conforme eu já havia adiantado antes mesmo do dérbi na nossa casa.

(...)

Deixando novamente de lado as implicações sociológicas, listo algumas das consequências deste processo de “negação do outro”:
  • Erosão do relacionamento com os "coirmãos" – e o Palmeiras pode vir a ser a agremiação mais odiada do Brasil perante dirigentes adversários e torcedores (inclusive porque está se isolando ao tomar a frente de um processo nefasto);
     
  • Consolidação de uma imagem perante a opinião pública de clube elitista e excludente;
     
  • Exclusão gradual (pelo bolso) do palmeirense como torcedor visitante – uma vez que a reciprocidade tende a se tornar uma medida corrente;
     
  • No caso da parcela da torcida que viaja para ver jogos em outras cidades e estados, o reflexo tende a ser esportivo, uma vez que o time perderá apoio substancial na arquibancada;
     
  • Em longo prazo, este processo de exclusão (ou de limitação da presença) da nossa torcida em outras praças tende a reduzir o apelo do clube pelo Brasil afora – e, no final das contas, isso se reverte em menos receita para a instituição. 
(...)

Como resolver isso?

  • De imediato: o valor cobrado pelo Gol Sul (e, por consequência, do visitante) precisa cair substancialmente, se equiparando ao valor do Gol Norte – e sobre isso eu já escrevi aqui. O Palmeiras não pode, em hipótese alguma, ser o único clube do país que cobra da torcida visitante um valor muito superior ao que é cobrado no setor mais barato do estádio. Além de moralmente condenável, já está mais do que comprovado que a conta acaba sendo paga pela nossa torcida e, em última instância, pelo próprio Palmeiras.
     
  • Em médio prazo: repensar o espaço destinado à torcida visitante (inclusive porque é privilegiada a exposição daquele espaço na transmissão televisiva).

9 comentários:

Bruno Ricardo disse...

Minha resposta à pesquisa de consumo do Palmeiras, enviada por e-mail: Sim, compro MUITOS artigo (principalmente camisas, onde tenho mais de 50 - todas oficiais). Mas, essencialmente, sou TORCEDOR. E o produto que quero é INGRESSO. Pagamos Avanti OURO eu, esposa e filha (totalizando 180 reais mensais) o que é uma bela quantia, não (vindo de 2 professores da rede pública)??? Eu e minha esposa temos 93% e 92% de rating. Minha filha de 1 ANO 66%.
E os ingressos na semifinal vão pra quem dormir na fila do Pacaembú ou para os que tem contato. Vocês são ingratos e não tem a menor preocupação com a torcida, afinal, o que fazem com os valores de ingresso, tanto nossos, quanto dos visitantes, somos NÓS que literalmente pagamos as contas. Elitistas!

João Felipe disse...

Alguns dias atrás eu vi uma entrevista com o Dono (sim, ele comprou o clube) do Orlando City (Time da MLS) e lá é uma estrutura totalmente diferente do que a gente conhece aqui como futebol. E como eu comentei em um post seu há um tempo, lá a renda do público é essencial para manter as finanças do clube , visto que é um esporte em ascensão no país onde a cultura sempre foi basquete/beisebol/hóquei e várias outras modalidades olímpicas e o investimento de patrocinadores ainda não é um ponto forte.
Em um trecho de sua entrevista , alguém questionou o preço em comparação ao preço daqui e ele respondeu "O torcedor é meu consumidor , eu sou obrigado a fazer um time que eles tenham prazer em assistir dentro da nossa casa", veja que lá ele assume a colocação de seu "torcedor".
Vendo aquele senhor falar eu vi uma relação com o que ele pensa de futebol e o que nosso "presidente"(se é que pode ser usado esse termo a esse senhor) nos impõe, visto que os dois são empresários fora do futebol e confundem a visão de futebol e empresa nos tratando sim como consumidores , o que é um total desrespeito e nós mesmos que pagamos a conta.
Tanto é que , pelo menos em meu ponto de vista , ele trata a nossa casa como "o castelo da família nobre" onde quem quiser pisar deverá ter status (digo isso pelos preços abusivos e a elitização) e quem não tiver o mesmo sobrenome da família (não torcer para o time dele) não será permitido à entrada (é o que mais ele vem tentando fazer , como citado no seu texto).

Parabéns pelas suas sábias palavras Barneschi, em um momento de tão tristeza e profundo lamento ao futebol vemos alguém que , de verdade, nos representa querendo mudança. Infelizmente eu sou novo e não pude acompanhar o verdadeiro futebol , enquanto hoje sou obrigado a pagar esses preços abusivos para ver times montados por empresários mágicos em um futebol moderno.

Rodrigo Barneschi disse...

Bruno Ricardo
Foi exatamente o que eu escrevi no post anterior: a Ponte Preta direcionou os ingressos para o jogo contra o SCCP exatamente para os sócios-torcedores mais assíduos. É questão de boa vontade, portanto, algo que passa bem longe do senhor presidente do nosso clube.

João Felipe
Obrigado, meu caro. Seguimos na luta.

Elton disse...

grande post barneschi
parabens pela resitencia

Marco disse...

Sobre a questão mais imediata do preço cobrado do visitante, acho q a solução contra o Paulo Nobre teria que sair por via jurídica: é ilegal diferenciar preços com base apenas no critério de torcida. No mesmo setor do Allianz os palmeirenses pagam menos. Parece uma violação clara do Estatuto do Torcedor e do Código de Defesa do Consumidor.

Se vc, Paulo Nobre, vê o torcedor como consumidor, que tal então respeitar o CdC? Cadê o MP quando precisamos dele?

Rodrigo Barneschi disse...

Marco,
Essa abordagem não se aplicaria, uma vez que o "valor de face" dos ingressos é o mesmo: o preço do setor visitante é sempre igual ao preço do setor Gol Sul (à exceção do jogo contra o Audax Osasco, na abertura do Paulista). A diferença se dá no desconto oferecido aos sócios-torcedores, mas isso não configura violação de nenhuma determinação legal.
Abraço

Marco disse...

Entendo Barneschi, mas no ano passado na final da CdB o juiz que determinou a redução do preço do ingresso para os visitantes (no caso o Atlético) levou em consideração os descontos do programa de sócio torcedor do Cruzeiro, embora o valor de face para ambas as torcidas fosse o mesmo. No fundo é uma prática abusiva, e um promotor c/ boa vontade poderia comprar essa briga.

No mais, acompanho o blog há anos, parabéns pela defesa do futebol de verdade. Paciência para seguir na luta. Abs.

Rodrigo Barneschi disse...

Marco,
"Promotor com boa vontade" é algo um tanto difícil de encontrar. Se for algum querendo aparecer, aí é bem mais fácil.
Abraço

GilMackoy disse...

Excelente análise. É um descabimento absurdo o que a atual diretoria do Palmeiras faz principalmente em extorquir a afastar o palestrino pobre do estádio.