A revista sãopaulo (aos domingos na Folha de S.Paulo) prestou nesta última edição um enorme desserviço ao futebol. Antes de partir para a análise do caso, deixo-os com a capa da publicação, que dá bem a dimensão do asqueroso conteúdo:
A matéria em si é equivocada sob vários pontos de vista. Mas ela fica um pouco menos pior se desprovida de imagens. A leitura se faz possível
aqui.
Eu bem pensei em desmontar cada uma das estapafúrdias declarações dos personagens escolhidos. Mas elas não param em pé, a argumentação dos envolvidos é pífia e então eu me permito apenas e tão somente fazer um apanhado geral de tudo que aí está.
Começando pela premissa básica:
Ninguém é obrigado a ir a estádios de futebol. Ninguém é obrigado sequer a gostar de futebol. Como ninguém é obrigado a ir ao cinema, ao teatro, ao shopping ou a qualquer outro lugar. Ninguém é obrigado a praticar esportes, a frequentar eventos culturais ou mesmo a conviver com outros seres humanos. Ninguém é obrigado, enfim, a fazer qualquer coisa que não seja do seu gosto.
Em sendo assim, não se exige de quem quer que seja o hábito de ir ao estádio. Por conseguinte, não se pede a quem quer que seja alguma explicação (plausível ou não) para a decisão de não ir a estádios. Sério: ninguém se importa, muito menos os que estamos no estádio o tempo todo e quaisquer que sejam as condições.
Daí que se torna insuportável conviver com o discurso hipócrita dos que optam por não ir a estádios. Porque o tipo (e aqui eu me refiro a todos os tipos) não é honesto o bastante para admitir seu comodismo e sua inoperância, fatores que o fazem escolher o sofá em detrimento da arquibancada - o que é plenamente aceitável, diga-se. Longe disso; o sujeito prefere mesmo apelar para o lugar comum, para o clichê, para o discurso vazio. “Porque a violência...”
Violência?
Ah, sim. Pois eu torno a repetir o que eu sempre digo: não há lugar mais seguro que um estádio de futebol. Sim, é isso mesmo! Procurem aí a relação de incidentes em estádios de futebol e façam a devida comparação com os índices de violência em condomínios residenciais de alto padrão, bares, restaurantes, ruas, avenidas, praças, parques e outros espaços públicos. Façam isso, por favor.
Também em função da repressão exacerbada (e acéfala) do 2º BP Choque e muito pela vigilância eletrônica e pela presença das emissoras de TV e de toda a parafernália midiática, não há lugar mais seguro nesta violenta metrópole do que um estádio de futebol.
Sobre isso, seria impossível organizar um simpósio e qualquer defensor da associação violência/estádio seria devidamente humilhado. Como não há tempo para tanto, registro esse breve contraponto e seguimos em frente.
Mas os "sofás" apontam mais supostos motivos, um mais capenga que o outro. É a falta de opções para comer, são os banheiros sujos, é o desconforto... uma bobeira maior que a outra. Claro, há aqueles argumentos que se fazem até razoáveis para a defesa dos acomodados (preço dos ingressos, flanelinhas, horários ruins), mas nenhum deles sobrevive à constatação de que são todos elementos inerentes à rotina de quem vive em uma cidade como São Paulo.
De modo geral, fica muito evidente no discurso dos sujeitos a acomodação que os leva a se classificarem como “torcedores de sofá”. É tipo isso aqui:
“O sofázinho é mais negócio, né?”.
Será assim tão difícil para essa gente admitir que simplesmente não gosta de ir ao estádio? Ou que prefere ficar em casa ou ir ao bar para poder tomar cerveja com os amigos? Ou por preguiça mesmo?
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Devidamente dizimadas as pretensas desculpas dos acomodados, é hora de partir para uma outra análise, esta mais afeita ao jornalista do que propriamente ao torcedor:
Afinal, qual teria sido o ponto de partida para que tal reportagem fosse aprovada em uma reunião da pauta da revista sãopaulo? Tenho duas suspeitas, e nenhuma delas converge para uma ideia “brilhante” ou para algum levantamento feito pela própria redação.
A menos provável, que eu já descarto, diz respeito a alguma divulgação da ABTA, a associação das empresas de TV por assinatura. Sim, o setor teria todo o interesse de ver tal conteúdo em uma edição dominical da Folha e a ABTA até aparece como fonte, mas não me parece tanto o caso.
A mais provável diz respeito a uma cretinice divulgada com estardalhaço por uma certa Pluri Consultoria. Lembro-me de ter recebido o release dos caras e, após julgar de uma estupidez atroz tudo o que ali estava, resolvi que não era o caso de escrever nada – por falta de tempo e por um certo desprezo. Acontece que agora os tipos conseguiram quem comprasse o discurso todo e então este blog se sente no dever de colocar as coisas no devido lugar.
Vejamos, senhores, o que traz a página 25:
Vou me abster de fazer comentários sobre a diagramação, sobre a pergunta lá do alto (
vamos pouco quem?) e sobre a ideia de inserir os distintivos dos clubes nessa história. É secundário diante do todo. Mas peço aos senhores, por favor, que voltem à imagem brevemente para contar o número de distintivos/motivos.
Quantos são?
17.
Ah, que beleza. Pois vejam só isso aqui, senhores:
Captaram a mensagem?
Pois acontece que essa tal Pluri Consultoria andou divulgando tempos atrás alguns pretensos estudos sobre futebol, um mais furado que o outro. Eu me refiro a eles como "pretensos estudos" porque simplesmente parece não haver nada de estudo por trás das conclusões peremptórias. Nada, absolutamente nada. Entre outras coisas, a tal consultoria divulgou tempos atrás esse troço repugnante intitulado
“17 motivos para NÃO ir aos estádios” (ênfase no NÃO). À época, eu até entrei no
site, fiz o
download do tal relatório e me indignei com aquilo tudo. Mas resolvei relegá-lo ao esquecimento. Agora não dá mais.
Notem, senhores, que a tal Pluri Consultoria aponta “17 motivos”, exatamente o mesmo número destacado pela revista sãopaulo. São, vejam que enorme coincidência, os mesmos e raquíticos motivos.
Nenhum deles para em pé. Afinal, carecem de um mínimo de comprovação. Se ainda não o fizeram, recomendo de novo a leitura do tal
relatório, que não passa de um amontoado de conclusões que emergem do senso comum. Não há aí qualquer justificativa para os "17 motivos", tampouco qualquer embasamento que nos permita aferir a validade ou não do que está sendo dito.
É mais do que precário; é quase desonesto.
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Ao final, senhores, a coisa toda se pode resumir assim:
-A simples disposição de alguém se expor assim tão abertamente como “torcedor de sofá” diz muito. Tanto que eu nem precisaria perder meu tempo livre para escrever esse post.
-Acomodados: tomem vergonha na cara e admitam que são preguiçosos e preferem ficar com a bunda no sofá. Não há problema algum nisso, ninguém vai cobrá-los por nada, vocês até que contribuem com o clube pagando o ppv e essa coisa toda. Mas deixem de hipocrisia e não encham o saco de quem é torcedor de verdade.
-Anotem aí: basta o time de qualquer desses "sofás" chegar a uma final para eles saírem desesperados atrás de ingresso. Eu conheço bem esse tipo de gente.
-Torcedor é aquele que gira a catraca.