28 fevereiro 2013

Consciência de classe

Eu havia prometido para mim mesmo que este blog não trataria do ocorrido em Oruro - ou de suas consequências. Simplesmente porque não estive lá. Ainda que tenha minhas percepções decorrentes dos muitos anos de arquibancada, não queria correr o mínimo risco de tirar conclusões imprecisas. Acontece, senhores, que em meio ao festival de bobeiras, barbaridades e irresponsabilidades que vêm sendo proferido pela despreparada imprensa esportiva e pelos propagadores do senso comum, há quem se supere no nível de atrocidade. Há quem consiga sair do varejo e partir para o atacado da pior maneira possível. Decorre disso a necessidade de um posicionamento, por mínimo que seja.

Tenho ouvido opiniões as mais infundadas. São diversos os públicos que resolvem falar sobre o assunto sem o devido conhecimento de causa. É o caso, antes de partir para o que realmente importa, de enumerar e descrever esses extratos da "indignada" (e alienada, no sentido mais estrito do termo) sociedade civil:

_IMPRENSA ESPORTIVA
Há exceções. Poucas. Tão raras elas são que eu me permito fazer uma generalização e colocar na conta de toda a categoria. Porque, de modo geral, ela (quase) toda se comporta de uma maneira uníssona, sem a devida reflexão e com elevada dose de rancor. Faz décadas que é assim. Faz décadas que a imprensa esportiva apela para o mesmo discurso: "marginais", "vândalos organizados", "bandidos travestidos de torcedores" etc. Mais do mesmo. E não é nada, porque nada diz. O que se revela é a incapacidade de avançar além do simples desejo de extravasar sentimentos os mais primitivos, bradando as mesmas e vazias palavras de ordem, quase como se fossem eles, jornalistas esportivos, os paladinos da justiça. Há, em meio a essa categoria maior, alguns grupos segmentados. É o caso dos imbecis contumazes, subcategoria capitaneada por Flavio Prado, o símbolo maior do jornalista-de-estúdio, aquele para quem "torcedor de futebol é vagabundo". Seu modus operandi diz muito sobre a relevância de seu falatório. De outra parte, há aqueles jornalistas que simplesmente se permitem alienar, reproduzindo o senso comum sem qualquer pensamento. Não acrescentam nada; pelo contrário.

_A IMPRENSA "GERAL"
Aqui me refiro àqueles profissionais que não "militam" na imprensa esportiva (não a todos, é evidente). Jornalistas que são, pensam ter direito a opinar sobre qualquer tema, como se conhecimento tivessem para tanto. Longe disso; a maioria não sabe do que está falando, muito por manter com os estádios de futebol uma relação de distanciamento e, portanto, desconhecimento. Mas aí, com o assunto em evidência na esfera pública, o tipo resolve que é o caso também de se pronunciar sobre. Liberdade de expressão, sabem como é? Daí surgem as maiores e mais desaforadas besteiras. Há desde sensacionalistas apresentadores de TV (que proferem sempre as mesmas palavras de ordem, em um brado indignado por "justiça") até aqueles que devem entender muito de política ou economia, mas definitivamente não sabem nada de futebol - e ainda menos de arquibancada. Os primeiros, caricatos, nem me ofendem, tamanha é a inconsistência do que dizem; os segundos, revestidos de artificial sobriedade, são possivelmente mais nocivos: porque aí a coisa deixa de pertencer aos cadernos esportivos e ganha as páginas de opinião (???), influenciando ainda mais a sociedade civil organizada (???) em torno de um preguiçoso senso comum.

_AS (E OS) "ANAS MARIAS"
Dia desses, a TV da academia ligada na emissora de sempre, uma senhora conversa com seu papagaio (?). Sou obrigado a ver aquilo. Falando para um público que nada tem a ver com o assunto, a criatura resolve dar seus pitacos também. Extravasa o discurso inconformado dos desocupados que se dispõem a acompanhar aquele show de horrores. Não ouço nada, felizmente, mas o "closed caption" traz aqui e ali um tanto das opiniões (?) da tal senhora. O discurso vazio de sempre, partindo de uma pessoa que não faz a menor ideia do que é uma arquibancada.

_OS "JUSTICEIROS" DAS REDES SOCIAIS
"Tem que proibir esses vagabundos". "Tem que aumentar o preço dos ingressos". "Vamos construir estádios de segurança máxima". As redes sociais liberam o que há de pior no ser humano. Ponto. E o que mais aparece nessa hora são os sedentos por "justiça". Quanta besteira está sendo escrita por aí. Quanto despreparo, quanta aberração, quanta insolência. Via de regra, é um elitista em potencial. E, acredite em mim, diz o elemento que não vai a estádios por causa da violência, mas basta chegar uma final para ele te ligar atrás de ingressos.

_OS "SOFÁS"
"Eu não vou a estádios por causa da violência". Já ouvi isso muitas e muitas vezes. A verdade é a seguinte: "Eu não vou a estádios porque sou um acomodado que prefere ficar com a bunda no sofá, mas ninguém vai se importar se eu colocar a culpa na violência". Porque é isso, sem tirar nem por. O sujeito se esconde atrás do senso comum e de um discurso que não se sustenta para camuflar a própria inoperância. E agora, num momento desses, resolve dar as caras: "Tá vendo por que eu não vou a estádios?".

_OS ADEPTOS DO "CLUBISMO"
Não foram poucos os amigos da arquibancada que manifestaram algum todo tipo de contentamento com a punição aplicada ao SCCP. Em sua maioria, isso se deve basicamente a um fator: clubismo. Se me permitem, vou dizer o que penso: foi (e é) um erro. Porque, acreditem os senhores, isso poderia ter acontecido contra o Palmeiras, e então a opinião certamente seria outra. Em sendo assim, cabe refletir um pouco mais. O que está em jogo não é uma decisão que prejudica o nosso rival, mas sim a abertura de um precedente perigoso, que, mais do que tudo, atiça a mente dos reacionários e justifica até mesmo manifestações grotescas como esta. Por favor, não se deixem contaminar pelo clubismo quando o momento pede consciência de classe.


E aí, senhores, públicos devidamente apresentados e consolidado o cenário em que qualquer cretino entende que pode falar de futebol, é necessário apontar as consequências disso tudo. Porque hoje, com o futebol tão em evidência no noticiário, qualquer coisa que aconteça, pequena ou grande, enseja discursos os mais estapafúrdios. É hora de sair da "parte" e chegar ao "todo".

Falta ao torcedor de futebol neste país a consciência de classe que sobra em outros lugares (tomo como exemplo a Italia). Falta a noção de que a decisão ora tomada afeta todas as torcidas e contraria os interesses de quem é da arquibancada. Nesse sentido, o clubismo é altamente nocivo, à medida que apenas amplia o contingente dos que atacam a arquibancada.

E aí, para que a coisa não fique apenas na retórica, me sinto obrigado a abrir espaço para um texto específico, que ilustra bem a batalha que está em curso. O responsável é um certo blogueiro que defende os clubes-de-empresa-e-sem-torcida. Que prefere "consumidores" a "torcedores". Que defende a elitização no futebol. Que, entre outras coisas, escreveu este troço.

Vou evitar comentários; o texto já é constrangedor por si só. Entre tantas atrocidades, reproduzo dois pequenos trechos para, digamos, apreciação dos senhores:

"Mas os próximos anos serão cruciais para a mudança definitiva do perfil de quem vai a um jogo de futebol. Os novos estádios vão atrair um novo tipo de público."

"Os novos estádios sem dúvida vão diminuir a importância do torcedor na experiência do jogo. A torcida é parte do evento, mas não pode ser o centro dele."

Fico por aqui. Acima de tudo, com a convicção fortalecida de que a consciência de classe se faz mais necessária do que nunca. Porque há quem queira aproveitar as circunstâncias para impor uma agenda elitista e voltada não para o futebol como manifestação cultural e popular, mas sim para o futebol como um mero negócio. É contra isso que devemos seguir lutando. Contra a alienação, contra o senso comum, contra a hipocrisia.

O futebol só existe por causa da torcida. E, queiram ou não, a arquibancada haverá de resistir. Sempre.

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Nem sei se ele concorda com a minha argumentação, mas faço questão de recomendar nesse mesmo post um brilhante texto do Leandro Beguoci, na edição de março da revista VIP, já nas bancas: "O futebol dos gerentes". A análise dele é precisa:

"Isso acontece porque o futebol disseminou por toda a sociedade o estilo de vida dos trabalhadores das fábricas, que se espalhavam por amplas áreas das maiores cidades do país. Ir a um estádio de futebol, alguns anos atrás, era uma experiência semelhante a começar o dia em uma indústria. A comida na porta, as longas filas para entrar, a simplicidade do concreto armado, o desconforto das arquibancadas, o companheirismo de quem compartilha o mesmo destino difícil e suado. 

À medida que o país mudou, o futebol também se transformou. Agora, quem vai aos estádios são as pessoas que trabalham em escritórios com ar condicionado, janelas amplas, em áreas próximas a shopping centers e usam palavras em inglês, mesmo com um belo similar em português – espero, aliás, que partida nunca seja chamada de “match” por aqui. Essas pessoas, filhas dos trabalhadores que frequentavam os estádios, agora querem que as arenas sejam mais parecidas com o mundo em que elas vivem. Com a Copa do Mundo, isso foi possível. É o fim do churrasquinho. É o começo do espaço gourmet."

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É evidente que uma derrota como esta sofrida no Paraguay é ruim, mas ela pode ser interpretada como normal dentro da programação do nosso grupo. É o caso de buscarmos na Argentina, na próxima semana, a recuperação. Mas é preciso que o time, além de vontade, jogue futebol também. Pelo menos um pouco.

26 fevereiro 2013

"Futebol ao Sol e à sombra"

O jornalista e escritor uruguayo Eduardo Galeano tem mais de 40 livros publicados, com temáticas diversas. Recomendo toda a sua obra, mas, levando em conta o que interessa para este blog, obrigatório mesmo é "Futebol ao Sol e à sombra". É um livro de crônicas, repleto de uma melancolia que tão bem se aplica a um fim de tarde pós-futebol em Montevideo.

Pois Galeano dedica boa parte do livro a uma interpretação saudosista de um futebol que deixa de existir a cada dia que passa. Publicada em 1995 (e hoje disponível com atualizações que compreendem pelo menos mais uma década depois disso), "Futebol ao Sol e à sombra" é composto de pequenas crônicas e contos, um atrás do outro.


























Em ordem cronológica, o livro cobre quase toda a história do futebol, do surgimento à primeira metade dos anos 1990 (a edição atualizada traz ainda textos complementares sobre as Copas de 1998, 20002 e 2006). O foco principal é o futebol que se pratica às margens do Rio da Prata (ou seja, do seu Uruguay e da Argentina vizinha), mas há muito espaço também para o futebol do Brasil (do Rio em especial).

Há momentos que beiram a poesia, mais notadamente nos capítulos iniciais, que se dedicam a fazer um apanhado pouco convencional dos primórdios do futebol. Residem aí os melhores trechos da obra. Os diferentes aspectos do jogo são apresentados de maneira esquemática e bastante direta: "O futebol", "O jogador", "O goleiro", "O técnico", "O árbitro", "A bola" etc.

Como este trecho aqui, em "O torcedor":

"Quando termina a partida, o torcedor, que não saiu da arquibancada, celebra sua vitória, que goleada fizemos, que surra a gente deu neles, ou chora sua derrota, nos roubaram outra vez, juiz ladrão. E então o sol vai embora, e o torcedor se vai. Caem as sombras sobre o estádio que se esvazia. Nos degraus de cimento ardem, aqui e ali, algumas fogueiras de fogo fugaz, enquanto vão se apagando as luzes e as vozes. O estádio fica sozinho e o torcedor também volta à sua solidão, um eu que foi nós; o torcedor se afasta, se dispersa, se perde, e o domingo é melancólico feito uma quarta-feira de cinzas depois da morte do carnaval."

Ainda melhor é o relato contido em "O estádio", ele todo já reproduzido por este blog em 2010, por ocasião de mais um post sobre o assassinato do Maracanã:

"Você já entrou, alguma vez, num estádio vazio? Experimente. Pare no meio do campo, e escute. Não há nada menos vazio que um estádio vazio. Não há nada menos mudo que as arquibancadas sem ninguém. Em Wembley ainda soa a gritaria do Mundial de 66, que a Inglaterra ganhou, mas aguçando o ouvido você pode escutar gemidos que vêm de 53, quando os húngaros golearam a seleção inglesa. O Estádio Centenário, de Montevideo, suspira de nostalgia pelas glórias do futebol uruguaio. O Maracanã continua chorando a derrota brasileira no Mundial de 50. Na Bombonera de Buenos Aires, trepidam tambores de há meio século. Das profundezas do estádio Azteca, ressoam os ecos dos cânticos cerimoniais do antigo jogo mexicano de pelota. Fala em catalão o cimento do Camp Nou, em Barcelona, e em euskera conversam as arquibancadas do San Mamés, em Bilbao. Em Milão, o fantasma de Giuseppe Meazza mete gols que fazem vibrar o estádio que leva seu nome. A final do Mundial de 74, ganho pela Alemanha, continua sendo jogada, dia após dia e noite após noite, no estádio Olimpico de Munique. O estádio do rei Fahd, na Arábia Saudita, tem palco de mármore e ouro e tribunas atapetadas, mas não tem memória nem grande coisa que dizer."

Vale ainda destacar um trecho de "História de Fla-Flu", de um sentimento que certamente se aplica a quaisquer outros clássicos disputados no Brasil ou no mundo. A escolha deste duelo específico talvez se dê pela sonoridade do nome ou pela ambientação no Rio de Janeiro; faz sentido que seja assim:

"Desde então, pai e filho, filho rebelde, pai abandonado, dedicam-se a se odiar. Cada clássico Fla-Flu é uma nova batalha desta guerra de nunca acabar. Os dois amam a mesma cidade, o Rio de Janeiro, preguiçosa, pecadora, que languidamente se deixa querer e se diverte oferecendo-se aos dois sem se dar a nenhum. Pai e filho jogam para a amante que joga com eles. Por ela se batem, e ela vai aos duelos vestida de festa."

Fechamos assim:

"Uma jornalista perguntou à teóloga alemã Dorothee Sölle:
-Como a senhora explicaria a um menino o que é a felicidade?
-Não explicaria - respondeu - Daria uma bola para que ele jogasse.
O futebol profissional faz todo o possível para castrar essa energia de felicidade, mas ela sobrevive apesar de todos os pesares. É talvez por isso que o futebol não pode deixar de ser assombroso. Como diz meu amigo Angel Ruocco, isso é o melhor que tem: sua obstinada capacidade de surpresa. Por mais que os tecnocratas o programem até o mínimo detalhe, por muito que os poderosos o manipulem, o futebol continua querendo ser a arte do imprevisto. Onde menos se espera salta o impossível, o anão dá uma lição ao gigante, e o negro mirrado e cambaio faz de bobo o atleta esculpido na Grécia."

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Onde comprar: em qualquer grande livraria. Eu comprei na Cultura do Cj. Nacional (Av. Paulista), mas já encontrei também em outras redes (Fnac, Saraiva etc.). Fica mais fácil se você buscar naquelas estantes giratórias com livros de bolso (a edição é da L&PM Pocket). Não deve sair por mais do que R$ 20.

25 fevereiro 2013

De tanto insistir...

Ainda no primeiro tempo, depois de tantas chances desperdiçadas, parecia evidente que o gol não iria sair de jeito algum. Era o roteiro conhecido: caminhávamos para um amargo empate sem gols, isso se não levássemos um gol do pequeno time do interior, em um contra-ataque qualquer ou em uma falha da zaga. Mas aí, com um homem a menos, o treinador entendeu que era o caso de buscar a vitória a qualquer custo. Ponto para ele. O gol salvador veio em uma jogada que já parecia perdida, por pura insistência de um time que tem compensado o baixo nível técnico com enormes doses de aplicação e vontade. Ainda está longe do mínimo aceitável (e do que vamos precisar mais adiante), mas ver o time se matar em campo confere certo sentido à nossa luta a partir da arquibancada.

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_Bastou os ingressos chegarem a um patamar honesto (R$ 30 a arquibancada e R$ 20 o tobogã) para o público aparecer. Poderíamos ter até mais gente (ouso dizer que muitos ficaram pra fora, sem conseguir comprar ingresso), mas 20 mil pagantes em um jogo menor contra a Barbarense é bem aceitável.

_Dá pra fazer um bolão: quantos jogos vai durar o retorno do camisa 10? Como será a contusão? Os médicos vão dizer que não foi no joelho das últimas vezes? (quantos joelhos esse cara tem?) Será durante o jogo ou em um treinamento? E se for durante o jogo, em qual? Com quantos minutos? Ele vai ser substituído ou a contusão somente será constatada no dia seguinte, após exame de ressonância magnética? Enfim, espaço aberto para os palpites.

21 fevereiro 2013

A falta que um Eurico faz

Escrevi aqui o que penso de Eurico Miranda. Pois agora é necessário dizer que, se presidente do Palmeiras fosse, o velho Eurico Miranda teria hoje dado um daqueles passa-moleques históricos em toda uma série de personagens grotescos, de Del Nero ao comandante do Choque, passando por vagabundos os mais diversos, dos juristas do tribunal da FPF aos dirigentes do SFC.

Vejam, de maneira bem esquemática, o absurdo da história:

Em julgamento relativo a incidentes durante um SFC x SPFC, o clube do litoral foi punido com a perda de um mando de campo. Coincidiu de esse próximo mando ser de um outro clássico, desta feita contra o SCCP. Foi então que os santistas resolveram que era o caso de jogar no Morumbi. E aí, por uma dessas situações que só acontecem na gestão deste crápula Marco Polo Del Nero, o Palmeiras, que jogaria no mesmo dia e horário no Pacaembu, será desalojado da sua cidade.

A punição, vejam os senhores, não será cumprida nem pelo SFC, tampouco por SCCP ou SPFC, os clubes todos envolvidos na polêmica, mas sim pelo Palmeiras, o único que não tinha absolutamente nada a ver com a história. Todos os demais, de certo modo, serão beneficiados (o SFC, com a renda maior; o SCCP, por não sair de sua cidade; e o SPFC, com o aluguel de seu estádio).

A conta, é evidente, será paga pelo Palmeiras, este clube contra o qual todos fazem o que bem entendem. Pior: além de ver os rivais faturando, o alviverde terá uma renda infinitamente menor no buraco de Barueri e ainda vai obrigar o seu torcedor a um sacrifício que já parecia fazer parte do passado.

Observem: um clube é punido e um inocente, além de pagar a conta, vê seus três principais rivais sendo diretamente beneficiados. É absolutamente inacreditável!

Nisso tudo, senhores, mais do que a cara-de-pau da FPF, o que mais impressiona é a passividade da diretoria alviverde. A situação é aceita com um conformismo que equivale ao desrespeito contumaz da gestão anterior. Os que estão à frente do clube teriam a obrigação moral de impedir o prejuízo (que é financeiro, técnico e, acima de tudo, moral). Nada disso aconteceu; a coisa toda virou uma nota no site oficial, a gestão "profissional" ficou de joelhos e a vida segue...

Digam o que quiserem de uma figura como Eurico Miranda. Mas fato é que alguém como ele jamais permitiria algo assim. A essa altura, se desafiado fosse, o velho Eurico estaria fumando o seu charuto com Laores, Del Neros e toda a corja no bolso.

20 fevereiro 2013

"Soccer vs. the State"

A literatura sobre futebol no Brasil é pobre, débil até, praticamente limitada a coletâneas pouco inspiradas, relatos históricos sobre títulos de clubes ou da seleção (nunca com foco nas torcidas) e outras obras de menor relevância - algumas nem deveriam existir. Há exceções aqui e ali, e este blog vai cumprir agora o papel de recomendar alguns desses livros para os interessados em futebol e, claro, em literatura.

Já houve posts sobre outros livros (conferir aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui), mas, exceção feita à série sobre a bíblia "Fever Pitch", isso nunca se deu de maneira sistemática. Vou tentar agora empreender algo nesse sentido.

A ideia não é fazer propriamente resenhas ou análises detalhadas de cada livro (simplesmente porque falta tempo), mas sim fazer uma breve apresentação, mostrar do que se trata e, o mais importante, trazer alguns trechos que sintetizem o livro.

Vamos começar com "Soccer vs. the State", de Gabriel Kuhn. O subtítulo, "Tackling football and radical politics", diz muito sobre o que vai se encontrar ao longo de suas pouco mais de 250 páginas.

Peço, por favor, que relevem o "soccer" do título. Porque, ainda que não de maneira explícita, trata-se de um precioso estudo sobre resistência ao tal "futebol moderno". Além de um cuidadoso histórico do "esporte da classe operária", a obra se dedica a retratar manifestações políticas, protestos de torcedores e conflitos clubísticos pelo mundo. Quase sempre o foco é no surgimento de cada um dos fenômenos a partir da mobilização popular. E sim, muito se fala sobre elitismo, mercantilização do jogo, marketing predatório e investimento nocivo de empresas.

É, no mínimo, uma reflexão necessária para os alienados que vivem proclamando aí sua afetação em torno da modernidade e de toda esse discurso deslumbrado em torno do futebol.

























Alguns trechos que merecem destaque:

“What the book remind us of is that despite the damage done to the game by billionaire owners and TV franchises, the heart of football is still defiantly where it was at the game’s inception: 22 players kicking a ball around the field and an audience of several thousand mainly working-class supporters celebrating their communal solidarity.”

(…)

“The first time I heard our song ‘Tubthumping’ being played at Turf Moor (home of Burnley FC) I was in the toilets behind the main stand having a piss. And believe or not, the synthesis of a lifelong love of the culture and context of both music and football came together right there in that smelly urinal.”

(…)

“The truth, tough, is that my footballing years have had a profound impact on my personality, my relationship with others, and my view of the world. The famous remark by Albert Camus, “what I know most surely about morality and the duty of man I owe to football”, deeply resonates with me.”

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Onde comprar:
Como o livro não foi ainda lançado no Brasil, só o que se encontra no mercado é a edição importada. Eu comprei o meu na seção de esportes da Livraria Cultura do Conjunto Nacional faz um bom tempo, mas nunca mais encontrei nenhum exemplar por lá. É possível, no entanto, comprar pela loja virtual da própria Cultura por R$ 57,10.

17 fevereiro 2013

A camisa

















Ao final do clássico no Pacaembu, um time tinha à frente quatro bons atacantes, dois deles saídos do banco de reservas; do outro lado, um moleque da base fazia as vezes do que deveria ser a nossa "linha atacante". Não foi assim por alternativa tática, mas por absoluta falta de opções técnicas do nosso lado. A diferença entre os dois times nunca foi tão grande ao longo dos 96 anos de história do dérbi, e disso todos já sabíamos antes do jogo.

Tamanho descompasso, no entanto, não muda uma coisa: o peso da camisa. E enquanto ela surgir, imponente, no gramado em que a luta a aguarda, estaremos a postos para pisar na cabeça de quem aparecer pela frente. A começar pelo rival que encaramos hoje - e que haveremos de encarar para todo o sempre, com a cabeça erguida e o orgulho intacto, seja lá qual for a situação.

Todo o abismo técnico entre os dois times só poderia mesmo ser compensado com a entrega dos que foram a campo, com o peso da camisa e com a força de 2.000 guerreiros que cantamos e vibramos por milhões que não poderiam estar ali. Foi o que fizemos. E é o que faremos sempre e em todo canto onde houver Palmeiras.

Tenho orgulho de cada um dos que marcharam ao meu lado do Palestra Italia ao Pacaembu e depois de volta para casa, com a cabeça ainda mais erguida. Não é para qualquer um. Já fizemos isso antes em situação até pior (no último jogo de 2011), e são tardes como esta que fortalecem o sentimento de palestrinidade que nos permite encarar e superar qualquer adversidade para defender o Palmeiras.

Este SCCP 2-2 Palmeiras pode ter sido o último dérbi a ser jogado na cancha municipal. E então o alviverde imponente se fez presente uma vez mais, apenas porque essa é a nossa vocação. A camisa pesa!



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Eu poderia aqui perder um bom tempo escrevendo sobre a perda de identidade da torcida rival. Sobre as bandeiras que antes só existiam na torcida do SPFC (sério que vocês sucumbiram a isso?), sobre os gritinhos afetados de parte da torcida que trata um vagabundo qualquer como pop star, sobre a visível mudança de atitude dos caras durante o jogo. Poderia. Mas nem preciso. Porque, à exceção do canto que já foi entoado tantas e tantas vezes para clubes que temporariamente estão na Série B (como eles há alguns anos), nada mais lembrou a disparidade entre os momentos de um lado e de outro. Foi como se eles tivessem emudecido ao perceber que nada que viesse do outro lado nos poderia afetar. Nada! Porque ali estávamos todos de cabeça erguida e prontos para enfrentar o rival dentro e fora de campo.

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Um comentário necessário sobre arbitragem: o mau-caráter que veste a camisa 11 dos caras deu uma entrada ontem muito semelhante à que levou a seguidas expulsões de jogadores do Palmeiras em clássicos anteriores no Pacaembu. Lembro particularmente de duas: Danilo e Luan. Contra o Palmeiras, os árbitros não tiveram dúvida: cartão vermelho. Contra o SCCP, um amarelinho ficou de bom tamanho. Menos de um minuto depois, no contra-ataque, saiu o gol de empate dos caras.

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As fotos do post são do grande Gabriel Uchida (FotoTorcida).

15 fevereiro 2013

Alma de Libertadores

A vitória na estreia não muda a nossa situação, eu bem sei, mas são tão poucas as alegrias recentes que vocês vão ter de me desculpar e aceitar os exageros que estão por vir. Vou carregar nas tintas mesmo, mais do que o recomendável e mais do que o aceitável até. Faz parte. A noite merece. O Palmeiras mais ainda.

A foto abaixo é do grande Gabriel Uchida, do Foto Torcida:
















Montevideo, 17 de junho de 2009. Boicotado pelo seu treinador, o Palmeiras vai à capital uruguaya para tentar uma vitória que reverteria o tolo empate no jogo de ida (1-1 no Palestra, na conta do técnico). Em jogo, uma vaga na semifinal da Libertadores depois de oito anos. O time era bom: Marcos, Mauricio Ramos, Danilo e Marcão (Obina); Wendel (Souza), Pierre, Cleiton Xavier, Diego Souza e Armero; Willians (Ortigoza) e Keirrison. Da arquibancada do Centenario, ouso dizer até que jogamos mais que o Nacional. Fizemos por merecer o gol. Já nos minutos finais, bola cruzada para a área. Obina se contorce todo, de um jeito improvável e inexplicável, e cabeceia. Bem até. A bola passa rente à trave. Não entra por puro capricho. 0-0. O gol fora de casa elimina o Palmeiras. A fria noite uruguaya se fez interminável para os que por lá ficamos a perambular sem rumo.

Nunca mais consegui tirar da cabeça esse lance (vejam aqui). O levantamento de Ortigoza, o toque de Obina, a bola a nos trair... Não por acaso, a cena ficou passando pela minha cabeça nesta última noite no Pacaembu, quando, quase quatro anos passados da noite fria de Montevideo, enfim nos reencontramos com a Copa Libertadores da América. É coisa minha, muito particular, mas me sinto impelido a compartilhar a sensação com os leitores do blog.

Pacaembu, 14 de fevereiro de 2013. Voltamos. Sem a mesma força de antes, é verdade. Em situação bem pior. Em um cenário em que os jogadores viraram aquilo que são na essência: números de camisa. Porque, a bem da verdade, devo confessar que, em meio a tantas mudanças e já sem a paciência de distinguir quem é quem em meio a tantas peças descartáveis, me pareceu mais fácil nem me preocupar em transformar os números em nomes.

Voltamos, é bom dizer, com alma de Libertadores. Com gosto de sangue na boca, com o gramado molhado pela chuva forte, com muito suor. Os que foram a campo com o manto alviverde entregaram o máximo que era possível. Honraram a nossa tradição, tiveram dignidade, buscaram a vitória na base da raça. Limitações técnicas à parte, lutaram todos. Às vezes com um voluntarismo que se confundia com ruindade mesmo, mas lutaram todos.

O time se entregou de uma maneira absolutamente comovente. A torcida foi junto. Cantou, empurrou, fez do Pacaembu a casa que tanta falta nos tem feito. Foi lindo. Foi uma noite para lavar a alma.

Dirão alguns que isso não muda nada, que o time é ruim, que não podemos nos iludir e isso e aquilo. Bom, eu concordo, e provavelmente não chegaremos a lugar algum quando for preciso incorporar qualidade a toda essa overdose de vontade. Mas hoje nada disso importa; porque o futebol é o que é por noites como esta.

Uma noite que só foi assim grandiosa para todos os que fizemos parte dela - e é natural, em meio a tudo o que temos vivido, superestimá-la. Façamos isso; é justo e necessário.

Uma noite que nem terá assim tanto destaque quando for contada a história da Libertadores/2013 - nem é pra tanto mesmo. Mas nós vencemos juntos. Vibramos. Cantamos. Sofremos com a pressão final - e o que foram aqueles dois últimos lances, porra? Lavamos a alma.

Comemoremos, pois. Vivemos uma noite de Palmeiras.

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_Lamento, de verdade, por todos aqueles que resolveram que não era o caso de ir ao Pacaembu apoiar o Palmeiras. Lamento. Nada mais precisa ser dito.

_Fez muita diferença a volta da Mancha, ao menos por este jogo. A verdade mesmo é que já nem sabemos porque a torcida está suspensa, tantos são os desmandos cometidos pelos hipócritas que se dizem autoridades. A bateria ecoou forte na arquibancada.

_Domingo tem mais uma guerra. Lá estaremos novamente, a empunhar a bandeira alviverde contra o nosso maior rival. Deixo-os com as indicações de dois posts que traduzem muito bem o espírito dos poucos que teremos a honra e a responsabilidade de lutar por muitos na cancha municipal:
1.800 guerreiros, uma nação
A vitória de quem vai à luta

"A história pesa, senhores. A história nos precede, nos apresenta e nos fortalece. A história vai a campo. A história joga. A história decide. Quando surgir no gramado o alviverde imponente, junto estarão as grandes vitórias conquistadas em quase um século de história. Elas também jogam."

13 fevereiro 2013

A Libertadores terminou cedo

O Palmeiras se aproxima da estreia na Copa Libertadores/2013, a sua 15ª, e é difícil pensar em uma conjuntura pior do que esta que se apresenta. Dentro de campo, temos um time destroçado, desarrumado, sem padrão tático e com as poucas boas (?) opções fora de combate. O único respiro que tínhamos do meio para a frente nos foi tirado pela recém-empossada diretoria, em uma negociação que teve o efeito prático de mostrar a grandeza que se perdeu em algum momento da história recente. Sob o trauma de um rebaixamento vergonhoso, a torcida caminha sem rumo, sem casa, sem uma identidade mínima. E, vejam os senhores, às vésperas de estrear na Libertadores, ainda acontece isso no Carnaval.

(Mas, vale registrar, sempre haverá algum espertalhão para lembrar que "tem coisas que só acontecem com o Botafogo...")

Não esperem que a arquibancada faça a diferença agora - e mesmo isso seria insuficiente diante de tantos problemas. Não vejo muita perspectiva no momento, em especial porque predomina um misto de desconfiança (da torcida em relação a elenco, comissão técnica e direção) e rancor (entre diferentes setores da torcida).

Isso posto, é preciso lamentar especialmente certas manifestações de ditos palmeirenses, alguns dos quais vivem aí a exaltar o nome de vagabundos. Registro aqui o meu desprezo pelos que assim se comportam; o discurso por eles adotado é hipócrita, oportunista e até mesmo reacionário.

A Libertadores/2013 terminou para o Palmeiras antes mesmo do primeiro jogo. Das 15 edições com o alviverde na disputa, esta será a minha sétima do início ao fim - com presença em absolutamente todos os jogos em SP e em boa parte daqueles fora de casa. Mas o clima dessa vez em nada lembra a expectativa por uma competição tão importante. É muito distante da confiança de 1999/2000/2001 e até mesmo da esperança cega que nos movia em 2005/2006/2009.

A Libertadores/2013 é natimorta. Ela tem início amanhã, e o Palmeiras dá início à sua caminhada sem ataque. Vamos a campo sem sequer um jogador de frente, e isso evidencia bem o ponto a que chegamos. Sinto dizer, mas nem mesmo a camisa, a história e a tradição podem salvar um time nessas condições.

Notem que nem seria preciso ter a perspectiva de título para que a situação fosse melhor. Longe disso. Só o que queríamos era que nos permitissem lutar. Apenas e tão somente isso.

Ser palmeirense nunca foi fácil. Mas também não precisava ser assim tão difícil, sofrido e sem perspectiva.

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_Este blog, os senhores sabem, não dá importância a jogadores. Eles são descartáveis. Mas essa situação específica que se desenrolou pouco antes do feriado representa um duro golpe na dignidade palestrina. Pouco importam os nomes envolvidos (pois são todos descartáveis). O que faz a diferença aqui é perceber a maneira como a negociação se concretizou: resolveram o(s) problema(s) do Grêmio e deixaram para o gigante Palmeiras uma bomba enorme. Ficou feio.

_Ingressos garantidos para os três jogos da primeira fase (pelo Avanti) em um minuto. Quando a coisa funciona, é o caso de elogiar.

_Até amanhã à noite na cancha municipal!

08 fevereiro 2013

Valeu, Galuppo!

Vencemos o Atlético Sorocaba em mais uma noite melancólica na cancha municipal (cadê a porra da torcida?), mas, infelizmente, não é o caso de tratar disso. Porque há assuntos de maior gravidade, e então se faz necessário deixar de lado o olhar da arquibancada para direcionar a atenção para mais um atentado contra a decência, a moralidade e a história palestrinas.

Se você é daqueles leitores que não vivem o Palmeiras muito de perto ou se eventualmente nem palmeirense é, recomendo a leitura do post do Verdazzo para entender o que aconteceu.

Para não correr o risco de descambar para um texto rancoroso, descarto parte dos comentários que tinha planejado. A rigor mesmo, jogo no lixo todo um tratado que me parecia necessário - e talvez ainda seja, no momento correto - antes de mais uma conversa com meu padrinho e iluminado amigo Fernando Galuppo. Prefiro que o texto faça mais referências a ele do que a criaturas desprezíveis.

A dignidade, a decência e a grandiosidade de um Fernando Galuppo se revelam na postura de não aceitar que o Palmeiras conceda a um inimigo a tarefa antes executada com maestria por palestrinos da mais alta estirpe - e a contrapartida, se é que me entendem, é inversamente proporcional. Porque, vejam os senhores, o fato de um corinthiano se dispor a assumir a comunicação do grande rival evidencia bem o seu caráter.

Despeço-me reaproveitando parte de um texto publicado por este blog em novembro/2011, quando essa situação já havia acontecido para depois ser revertida. Agora não tem volta:

Obrigado por todos esses anos defendendo a imagem da instituição SE Palmeiras (mesmo contra os ataques que vêm de dentro). Obrigado pela dedicação, pela palestrinidade, pela dignidade, pela decência, pela honestidade. Obrigado por essas virtudes tão em desuso dentro do clube que amamos. Obrigado, acima de tudo, por serem palmeirenses em uma instituição que não preza mais por isso. Obrigado por entenderem que o Palmeiras pertence não a estas poucas dezenas de velhos carcomidos e indecentes, mas sim a muitos e muitos milhões de torcedores.

Perdem o Palmeiras e o palmeirense. Como sempre.


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_O Avanti já liberou a venda (ou reserva) dos ingressos para as três partidas da fase de grupos da Copa Libertadores: Palmeiras x Sporting Cristal/PER (14/02, 22h), Palmeiras x Tigre/ARG (02/04, 21h30) e Palmeiras x Libertad/PAR (11/04, 19h15). E, depois de tantos anos reclamando da dificuldade para comprar ingressos, agora é necessário elogiar: demorei um minuto para assegurar os ingressos para os três jogos da Libertadores.

_O Pacaembu viveu ontem uma noite das mais melancólicas de que se tem notícia. Por maior que seja a desesperança, por mais chuva que possa cair e por mais caro que seja o ingresso, eu não consigo admitir uma presença de público tão pequena.

06 fevereiro 2013

Muito além de Boca e River

Está nas bancas a edição 335 (fevereiro/2013) da revista VIP, com Isabeli Fontana na capa. Entre as páginas 80 e 84, os senhores podem encontrar mais uma matéria minha, novamente sobre futebol em Buenos Aires (ver mais aqui e aqui, só para ficar nos mais relevantes). A história agora é um pouco diferente, com foco não apenas no futebol, mas também no roteiro de turismo para quem deseja conhecer a Buenos Aires de verdade. As cinco páginas vêm logo abaixo, mas a revista tem ainda muito mais - e, claro, ler a edição impressa é sempre muito melhor. Não deixem de comprar!



























05 fevereiro 2013

Del Nero e a censura no Paulistão

Este blog aponta o senhor Marco Polo Del Nero como inimigo número 1 do torcedor de futebol já há muito tempo – antes mesmo de ele ter o poder que tem hoje. Del Nero é hoje o mais maléfico dirigente de futebol neste país, simboliza toda a podridão que tomou conta do esporte e caminha a passos largos para dar sequência (talvez em escala maior) ao 'legado' deixado por Ricardo Teixeira.

Quem frequenta os estádios de SP sabe o quanto as coisas pioraram por aqui desde a ascensão dessa criatura. Vivemos uma era de restrições, limitações e imposições reacionárias. Como se não bastasse isso tudo, agora a censura tomou conta dos nossos estádios.

Vejamos a mais recente iniciativa da corja de Marco Polo Del Nero:

Fato: a exemplo do ocorrido em edições anteriores, a FPF impôs em R$ 40 o preço mínimo cobrado pelos ingressos de jogos do Campeonato Paulista de 2013.

Análise: medida é errada por definição, uma vez que não caberia à federação determinar o valor mínimo, máximo ou médio de partidas disputadas pelos clubes afiliados. A rigor mesmo, seria de bom tom que a FPF tivesse a preocupação de coibir os preços extorsivos cobrados pelos times do interior quando recebem os da capital.

Ação: a organizada do SCCP aproveita um jogo do time no Pacaembu para protestar contra o preço dos ingressos. A manifestação foi pacífica, limitando-se à exibição de faixas com dizeres como “O time do povo?” e outras fazendo referência ao valor dos bilhetes. Obviamente não tenho como dizer se houve algum tipo de pronunciamento verbal vindo da torcida. Em havendo, continuaríamos no terreno do direito à livre manifestação. Ou seja: nada muda.

Análise: o simples fato de os torcedores precisarem entrar no estádio com pequenas faixas para compor uma maior evidencia o nível de repressão a que somos submetidos os torcedores de futebol. Porque os órgãos responsáveis (FPF, Choque e que tais) não têm permitido qualquer tipo de manifestação a partir da arquibancada - há outros casos recentes além deste.

Reação: em represália descarada, a organizada do SCCP teve suas faixas, bandeiras e instrumentos de percussão no Pacaembu no jogo seguinte. Confiram aqui o comunicado da entidade.

Análise: precisa de algo mais?

É bem provável que apareça alguém aí reclamando pelo fato de um blog alviverde dar protagonismo a uma ação da organizada do nosso maior rival. É um erro. Porque, senhores, acima de qualquer confronto entre clubes, deve prevalecer a defesa da arquibancada. Não é uma questão de clubismo, mas sim de defesa do futebol contra os crápulas que querem dominar o esporte do povo.

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Indicação de outros postssobre o senhor Marco Polo Del Nero:

Del Nero e o futebol sem alma
A matinê do Del Nero
As invencionices do sr. Del Nero
Del Nero e as mentiras do Jd. Lenor
Arapuca do Del Nero
Atestado de óbito
Obrigado, Mesa Redonda
Vexame e risco
E a culpa ainda é do torcedor?

04 fevereiro 2013

Turiassu, 1840 (16)

















Quando moleque, a aventura maior a que me permitia nas arquibancadas do Palestra era avançar por entre a multidão na faixa central, buscando chegar o mais perto possível da bateria da Mancha. No início, ainda juvenil para aquilo tudo, quase nunca conseguia – a malandragem só foi adquirida com a prática, anos de arquibancada depois. Via de regra, eu ficava um pouco mais para baixo e para o lado mais próximo da curva. Mas uma coisa era certa: isso tudo precisava acontecer antes da entrada do time, a tempo de, estando os jogadores em campo, participar da tradicional saudação a cada um dos 11 escolhidos para envergar o manto alviverde.

Eram outros tempos. Era outro futebol. Era outra torcida.

Eram tempos em que até um difícil e longo “Roberto Carlos” ecoava com nitidez desde a piscina até o placar eletrônico. Idem para um “Antonio Carlos”, que deixava a impressão de algumas letras sendo suprimidas pela multidão. “Sampaio” era mais fácil e direto. E, claro, havia aqueles jogadores cujos nomes vinham acompanhados de referências especiais ou de necessárias repetições. Cléber e Zinho, por exemplo, vinham duplicados e precedidos de um “olê, olê, olê, olê” que fazia toda a diferença. Os goleiros, exceção feita a Marcos alguns anos depois, eram chamados só pelo nome mesmo.

O melhor ficava quase sempre para o final. Edmundo, “Animal”, e Evair, “o terror” (ou seria "um terror"?). O grito que consagrou o camisa 9 foi depois indevidamente reciclado para outros centroavantes (e até para meias). O do camisa 7, no entanto, permaneceu único, exclusivo, intacto.

O passar dos anos trouxe poucos ídolos (alguns nem tanto). Já mais para o final da década, chegar até a bateria da Mancha deixou de representar um desafio. Eu já não era mais moleque, e então vivia aquilo tudo com muito mais propriedade, no meio da torcida mesmo, junto à bateria. Foi quando surgiu “o melhor goleiro do Brasil” para aquele que viria a se tornar São Marcos. Anos gloriosos. De Paulo Nunes, Oséas e Euller, por exemplo; todos eles ganharam gritos especiais. Até os laterais e os zagueiros tinham lá algo de diferente.

Com a virada do século, perdeu-se muito da identidade entre torcedor e jogador. Isso, cabe observar, não é exclusividade nossa. O futebol ficou mais, digamos, moderno, os jogadores se tornaram ainda mais vagabundos e descompromissados, ficou mais difícil chamar alguém de “ídolo”. Desde então, muitos foram os períodos sem que os jogadores tivessem seus nomes entoados – quase uma ruptura declarada entre time e torcida. Quando a coisa não descambava para ofensas a um ou outro, havia a indiferença pura e simples, passando do “Verdão querido/ do coração” para o 1-2-3 pré-hino.

Os últimos anos, por sinal, foram ainda mais sintomáticos desta nova realidade. Não me parece exagero dizer que a maior parte dos jogos tem início sem a saudação ao time. Prevalece a indiferença. De tempos em tempos, o rancor fica ainda mais forte. Hoje mesmo, por exemplo, eu não vejo nenhum sentido em perder tempo com a saudação aos 11 que vão a campo com a camisa do Palmeiras. A maior parte não deveria sequer fazer parte do elenco.

E quando parte da torcida canta o nome de um ou outro vagabundo durante o jogo, é sinal de que algo de muito errado está acontecendo.