Tenho ouvido opiniões as mais infundadas. São diversos os públicos que resolvem falar sobre o assunto sem o devido conhecimento de causa. É o caso, antes de partir para o que realmente importa, de enumerar e descrever esses extratos da "indignada" (e alienada, no sentido mais estrito do termo) sociedade civil:
_IMPRENSA ESPORTIVA
Há exceções. Poucas. Tão raras elas são que eu me permito fazer uma generalização e colocar na conta de toda a categoria. Porque, de modo geral, ela (quase) toda se comporta de uma maneira uníssona, sem a devida reflexão e com elevada dose de rancor. Faz décadas que é assim. Faz décadas que a imprensa esportiva apela para o mesmo discurso: "marginais", "vândalos organizados", "bandidos travestidos de torcedores" etc. Mais do mesmo. E não é nada, porque nada diz. O que se revela é a incapacidade de avançar além do simples desejo de extravasar sentimentos os mais primitivos, bradando as mesmas e vazias palavras de ordem, quase como se fossem eles, jornalistas esportivos, os paladinos da justiça. Há, em meio a essa categoria maior, alguns grupos segmentados. É o caso dos imbecis contumazes, subcategoria capitaneada por Flavio Prado, o símbolo maior do jornalista-de-estúdio, aquele para quem "torcedor de futebol é vagabundo". Seu modus operandi diz muito sobre a relevância de seu falatório. De outra parte, há aqueles jornalistas que simplesmente se permitem alienar, reproduzindo o senso comum sem qualquer pensamento. Não acrescentam nada; pelo contrário.
_A IMPRENSA "GERAL"
Aqui me refiro àqueles profissionais que não "militam" na imprensa esportiva (não a todos, é evidente). Jornalistas que são, pensam ter direito a opinar sobre qualquer tema, como se conhecimento tivessem para tanto. Longe disso; a maioria não sabe do que está falando, muito por manter com os estádios de futebol uma relação de distanciamento e, portanto, desconhecimento. Mas aí, com o assunto em evidência na esfera pública, o tipo resolve que é o caso também de se pronunciar sobre. Liberdade de expressão, sabem como é? Daí surgem as maiores e mais desaforadas besteiras. Há desde sensacionalistas apresentadores de TV (que proferem sempre as mesmas palavras de ordem, em um brado indignado por "justiça") até aqueles que devem entender muito de política ou economia, mas definitivamente não sabem nada de futebol - e ainda menos de arquibancada. Os primeiros, caricatos, nem me ofendem, tamanha é a inconsistência do que dizem; os segundos, revestidos de artificial sobriedade, são possivelmente mais nocivos: porque aí a coisa deixa de pertencer aos cadernos esportivos e ganha as páginas de opinião (???), influenciando ainda mais a sociedade civil organizada (???) em torno de um preguiçoso senso comum.
_AS (E OS) "ANAS MARIAS"
Dia desses, a TV da academia ligada na emissora de sempre, uma senhora conversa com seu papagaio (?). Sou obrigado a ver aquilo. Falando para um público que nada tem a ver com o assunto, a criatura resolve dar seus pitacos também. Extravasa o discurso inconformado dos desocupados que se dispõem a acompanhar aquele show de horrores. Não ouço nada, felizmente, mas o "closed caption" traz aqui e ali um tanto das opiniões (?) da tal senhora. O discurso vazio de sempre, partindo de uma pessoa que não faz a menor ideia do que é uma arquibancada.
_OS "JUSTICEIROS" DAS REDES SOCIAIS
"Tem que proibir esses vagabundos". "Tem que aumentar o preço dos ingressos". "Vamos construir estádios de segurança máxima". As redes sociais liberam o que há de pior no ser humano. Ponto. E o que mais aparece nessa hora são os sedentos por "justiça". Quanta besteira está sendo escrita por aí. Quanto despreparo, quanta aberração, quanta insolência. Via de regra, é um elitista em potencial. E, acredite em mim, diz o elemento que não vai a estádios por causa da violência, mas basta chegar uma final para ele te ligar atrás de ingressos.
_OS "SOFÁS"
"Eu não vou a estádios por causa da violência". Já ouvi isso muitas e muitas vezes. A verdade é a seguinte: "Eu não vou a estádios porque sou um acomodado que prefere ficar com a bunda no sofá, mas ninguém vai se importar se eu colocar a culpa na violência". Porque é isso, sem tirar nem por. O sujeito se esconde atrás do senso comum e de um discurso que não se sustenta para camuflar a própria inoperância. E agora, num momento desses, resolve dar as caras: "Tá vendo por que eu não vou a estádios?".
_OS ADEPTOS DO "CLUBISMO"
Não foram poucos os amigos da arquibancada que manifestaram algum todo tipo de contentamento com a punição aplicada ao SCCP. Em sua maioria, isso se deve basicamente a um fator: clubismo. Se me permitem, vou dizer o que penso: foi (e é) um erro. Porque, acreditem os senhores, isso poderia ter acontecido contra o Palmeiras, e então a opinião certamente seria outra. Em sendo assim, cabe refletir um pouco mais. O que está em jogo não é uma decisão que prejudica o nosso rival, mas sim a abertura de um precedente perigoso, que, mais do que tudo, atiça a mente dos reacionários e justifica até mesmo manifestações grotescas como esta. Por favor, não se deixem contaminar pelo clubismo quando o momento pede consciência de classe.
E aí, senhores, públicos devidamente apresentados e consolidado o cenário em que qualquer cretino entende que pode falar de futebol, é necessário apontar as consequências disso tudo. Porque hoje, com o futebol tão em evidência no noticiário, qualquer coisa que aconteça, pequena ou grande, enseja discursos os mais estapafúrdios. É hora de sair da "parte" e chegar ao "todo".
Falta ao torcedor de futebol neste país a consciência de classe que sobra em outros lugares (tomo como exemplo a Italia). Falta a noção de que a decisão ora tomada afeta todas as torcidas e contraria os interesses de quem é da arquibancada. Nesse sentido, o clubismo é altamente nocivo, à medida que apenas amplia o contingente dos que atacam a arquibancada.
E aí, para que a coisa não fique apenas na retórica, me sinto obrigado a abrir espaço para um texto específico, que ilustra bem a batalha que está em curso. O responsável é um certo blogueiro que defende os clubes-de-empresa-e-sem-torcida. Que prefere "consumidores" a "torcedores". Que defende a elitização no futebol. Que, entre outras coisas, escreveu este troço.
Vou evitar comentários; o texto já é constrangedor por si só. Entre tantas atrocidades, reproduzo dois pequenos trechos para, digamos, apreciação dos senhores:
"Mas os próximos anos serão cruciais para a mudança definitiva do perfil de quem vai a um jogo de futebol. Os novos estádios vão atrair um novo tipo de público."
"Os novos estádios sem dúvida vão diminuir a importância do torcedor na experiência do jogo. A torcida é parte do evento, mas não pode ser o centro dele."
Fico por aqui. Acima de tudo, com a convicção fortalecida de que a consciência de classe se faz mais necessária do que nunca. Porque há quem queira aproveitar as circunstâncias para impor uma agenda elitista e voltada não para o futebol como manifestação cultural e popular, mas sim para o futebol como um mero negócio. É contra isso que devemos seguir lutando. Contra a alienação, contra o senso comum, contra a hipocrisia.
O futebol só existe por causa da torcida. E, queiram ou não, a arquibancada haverá de resistir. Sempre.
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Nem sei se ele concorda com a minha argumentação, mas faço questão de recomendar nesse mesmo post um brilhante texto do Leandro Beguoci, na edição de março da revista VIP, já nas bancas: "O futebol dos gerentes". A análise dele é precisa:
"Isso acontece porque o futebol disseminou por toda a sociedade o estilo de vida dos trabalhadores das fábricas, que se espalhavam por amplas áreas das maiores cidades do país. Ir a um estádio de futebol, alguns anos atrás, era uma experiência semelhante a começar o dia em uma indústria. A comida na porta, as longas filas para entrar, a simplicidade do concreto armado, o desconforto das arquibancadas, o companheirismo de quem compartilha o mesmo destino difícil e suado.
À medida que o país mudou, o futebol também se transformou. Agora, quem vai aos estádios são as pessoas que trabalham em escritórios com ar condicionado, janelas amplas, em áreas próximas a shopping centers e usam palavras em inglês, mesmo com um belo similar em português – espero, aliás, que partida nunca seja chamada de “match” por aqui. Essas pessoas, filhas dos trabalhadores que frequentavam os estádios, agora querem que as arenas sejam mais parecidas com o mundo em que elas vivem. Com a Copa do Mundo, isso foi possível. É o fim do churrasquinho. É o começo do espaço gourmet."
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É evidente que uma derrota como esta sofrida no Paraguay é ruim, mas ela pode ser interpretada como normal dentro da programação do nosso grupo. É o caso de buscarmos na Argentina, na próxima semana, a recuperação. Mas é preciso que o time, além de vontade, jogue futebol também. Pelo menos um pouco.