30 junho 2011

O país do futebol? (24)

Este capítulo nem deveria existir, mas eu não posso fugir do que já encaro como meu dever. Direto ao ponto:

Eu já escrevi que um sujeito como Tiago Leifert deveria ser achincalhado em praça pública em qualquer país que leva o futebol a sério. Pois torno a repetir, agora com mais ênfase: alguém precisa parar Tiago Leifert. Pelo bem do futebol brasileiro. Tiago Leifert é um símbolo indissociável da rede de TV que ele representa. Tiago Leifert, como bem apontado pelo site Futebol de Minas, é um dos "ministros da pornochanchada esportiva", responsável que é pelo "Plano Nacional de Idiotização do Futebol Brasileiro" (por Guilherme Amaral).

Posto isso, deixo-os com dois vídeos, um da Italia e outro da Argentina. Eles ilustram bem a diferença entre o dito "país do futebol" e aqueles onde efetivamente vive o futebol.

Vídeo 1: Caiu o River. Abaixo, a narração de Atilio Costa Febre, da Rádio Mitre de Buenos Aires, nos minutos finais da partida que decretou a queda deste gigante do futebol argentino. Notem a paixão, a entrega, a devoção, o total desapego ao cargo e à sua posição naquele momento. Tudo em nome do sentimento pelo clube. É um desabafo comovente, repleto de palavrões, de acusações, de uma raiva que só é compreendida por quem vive o futebol a partir da arquibancada. O vídeo é bastante longo, e então eu recomendo enfaticamente que acompanhem este link aqui, que traz uma versão compacta - e até por isso melhor.


Alguns trechos: "No me importa que esto me cueste la carrera, ya no me importa", "No entendem del componente pasional que tiene el fútbol argentino, e al no entender esto, no entendem lo que significa el fútbol para la Argentina e lo grande e lo imenso que es River", "Hay que ser hijo de puta para sacudirlo a River e para arrebentarlo como lo arrebentaram", "Ladrones, ratas, donde se van a meter agora? Pongan la cara acá, vengan a la cancha como la gente comum", "Tremendos hijos de puta".

Vídeo 2: Um Napoli 4-3 Lazio que vale muito pelo jogo em si, mas especialmente pela magistral narração, capaz de transmitir em pequenos detalhes toda a emoção de dentro de campo. Um duelo com virada espetacular, com polêmicas de sobra e com um narrador-torcedor que fica quase sem voz no final. São 12 minutos de "melhores momentos"; não deixem de acompanhar até o final.


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_Créditos para Luigi Pacifico (Napoli), Michel Bandeira (River) e Rafael da Silva (indicação do texto de MG).

_Peço desculpas por algum erro no espanhol aí acima, mas eu simplesmente transcrevi trechos da narração. Qualquer equívoco na grafia deve ser atribuído à minha falta de fluência no idioma.

_Para os que estão chegando agora, infomo que a série "O país do futebol?" demonstra, por meio de vídeos de todo o mundo, que o Brasil pode ser o país de muitas coisas, mas que o futebol certamente não está entre elas. Todos os 23 capítulos anteriores podem ser acessados aí na barra lateral. Já foram mais de 150 vídeos e quase 40 países diferentes.

29 junho 2011

Republique-se o Estatuto

Dia desses, em um dos últimos posts aqui publicados, surgiu uma discussão sobre o porquê de haver repressão contra gente que, na arquibancada, grita "Gol" antes de o gol acontecer - diz a sabedoria do cimento que a precipitação afasta a chance de gol. Alguém fez o questionamento, tempos atrás o próprio Conrado (do Verdazzo) já tinha se manifestado sobre isso, e eu expliquei que se tratava de uma lei não escrita das arquibancadas. Ninguém é obrigado a concordar, mas é assim desde que eu me entendo por torcedor. 

De toda forma, prometi a alguns leitores que publicaria em breve um texto com as "leis da arquibancada". Mas não vou inventar nada novo; o que existe de melhor sobre o tema já foi escrito pelo grande palmeirense Marco Bressan, o Teo. Não nasceu com o nome de "Estatuto", mas eu tomei a liberdade de denominar de "Estatuto para o verdadeiro torcedor" (e bem poderia ser "Anti-estatuto", em resposta a esta aberração que promotores vagabundos querem nos empurrar). A primeira publicação aconteceu em fevereiro/2009 e rendeu uma polêmica enorme, que se estendeu por outros sites, blogs e fóruns. De quando em quando, recebo emails ou mensagens de gente que se ou se identifica ou se indigna com a coisa toda. 

Em resposta aos que pediram e considerando a audiência rotativa, é justo republicar o "Estatuto" do Teo: 

Conclusões, recomendações, devaneios e mantras de um torcedor de arquibancada* 

1. Futebol não é festa.
2. Futebol não é divertimento.
3. Futebol não é um bom lugar para passeio.
4. Futebol não é um ambiente saudável, ao contrário, é doentio. 
5. Evite levar criança ao estádio, a menos que esta seja mais madura que você (no meu caso não é difícil). 
6. Evite levar qualquer pessoa ao estádio que não esteja focada na vitória do seu time. 
7. Não use uma partida de futebol para networking profissional e/ou social. O ideal é que, ao te verem no estádio, todos se envergonhem de você.
8. Acredite em você, nas suas impressões e opiniões sobre seu time. 
9. Despreze completamente a opinião da imprensa esportiva.
10. Se você acha que seu time vai ganhar, talvez ele ganhe.
11. Se você acha que seu time vai perder, ele vai perder. Vá ao jogo assim mesmo.
12. Não deixe que o trabalho atrapalhe o futebol.
13. Não deixe que nenhum programa ou compromisso atrapalhe o futebol.
14. Não deixe que um romance atrapalhe o futebol.
15. Não deixe que nada atrapalhe o futebol. 
16. Acima do futebol, só a saúde. Ela que te permite viver para o futebol. 
17. Seu melhor amigo é o seu time. 
18. Despreze quem não gosta de futebol. 
19. Ignore quem não gosta de você pelo fato de você gostar de futebol. 
20. Fique onde você quiser no estádio, ignore os lugares numerados. 
21. Nunca assista ao jogo ao lado de um torcedor adversário. 
22. Odeie seu adversário no dia do jogo. 
23. Identifique seu inimigo e odeie-o todos os dias da sua vida. 
24. Debata com torcedores adversários verdadeiros, menospreze os farsantes. 
25. Se um dia você for a um estádio sem alambrado, fosso ou qualquer divisão para o campo, sinta vergonha. O Brasil não é a Inglaterra. 
26. Não relaxe durante o jogo. 
27. Evite sorrir durante o jogo. 
28. Não xingue os jogadores do seu time durante o jogo. Alguns merecem, mas não vai adiantar.
29. Xingue a arbitragem em todos os jogos, isso te fará bem. 
30. Não se esforce por ingressos para torcedores ocasionais e oportunistas. Cuide do seu e dos legítimos habitantes daquele espaço sagrado. 
31. Refute ser tratado como consumidor, você é apenas torcedor. Por sinal, você é muito mais que consumidor. 
32. Cuide da sua própria segurança, nunca espere nada da PM. 
33. Proteja-se da PM.
34. Volte do estádio sempre com a sensação do dever cumprido.

Teo (Marco Bressan)

28 junho 2011

Economia idiota

Existe um mito chamado “aluguel do Pacaembu”. É a argumentação de nove entre dez pessoas que defendem a utilização do Canindé em lugar do Pacaembu para o Palmeiras mandar seus jogos. Pois bem, todo mito precisa ser desmistificado. Vamos a isso:

O valor de locação da cancha municipal corresponde a 15% da renda bruta do jogo, com uma limitação de R$ 65.950 à noite – o valor é menor, na casa dos R$ 52 mil, à tarde. Ou seja: para rendas acima de R$ 440.000, o valor pago será fixo: R$ 65.950.

Considerando que o Palmeiras teve público médio de 11 mil pagantes e R$ 300 mil de renda nos jogos contra Atlético/PR e Avaí (ambos no Canindé), daria para considerar o pagamento de aluguel na casa dos R$ 45 mil por jogo – se eles fossem disputados no Pacaembu. E eu nem levo em conta o fato de as partidas no estádio municipal terem possivelmente um público bem superior ao do Canindé.

R$ 45 mil.

Pergunto: quanto custa o aluguel do Canindé?

Porque a questão é a seguinte: pouco ou muito, a Portuguesa precisa também ser ressarcida pelo uso do seu campo. Digamos, em uma hipótese bem conservadora, que o valor seja de R$ 15 mil. São R$ 30 mil de diferença, algo que deve ser inferior a 1% da folha de pagamento do elenco principal do Palmeiras – e tem nego no departamento médico que deve ganhar pelo menos 10 vezes esse valor por mês.

Mas a questão principal é que tal diferença seria facilmente compensada com um público maior no Pacaembu (porque, como já dito aqui, o Canindé esbarra em uma questão estrutural que limita o público a 12 ou 13 mil torcedores), com o ticket médio maior na cancha municipal, com a satisfação do torcedor e especialmente com o fator técnico, permitindo que o time se habitue a jogar em um único estádio e criando uma atmosfera melhor para a torcida e para os jogadores.

Ou seja: o tal "aluguel do Pacaembu" seria facilmente dissolvido com um público maior e, ainda que não fosse, o fato de não criarmos identidade com uma única casa é uma conta muito mais alta a ser paga do que um custo maior no aluguel.

Ao optar pelo Canindé em detrimento do Pacaembu, nossa diretoria faz uma economia idiota, digna da postura de Tirone e seus asseclas. Nada justifica tal decisão, em especial quando o torcedor é obrigado a se matar para chegar ao Canindé às 19h30 de um dia útil, como na próxima quinta-feira.

26 junho 2011

O país do futebol? (23)


Caiu o gigante Club Atlético River Plate. Caiu por uma incrível sucessão de erros, em um sistema criado exatamente para preservar os grandes clubes. Caiu em casa, diante dos seus, o que amplia ainda mais o drama. Caiu aos 110 anos. E voltará no ano seguinte, como já fizeram Racing e San Lorenzo, outros dois grandes argentinos que experimentaram o descenso.

É um domingo triste e, como é habitual, sofre quem menos deveria sofrer. A série "O país do futebol?" presta uma breve homenagem à hinchada do gigante River Plate.

Vídeo 1: "Voy a Cualquier Lugar", uma das mais belas músicas cantadas pelos Borrachos del Tablon, a barra do River. Esta aqui vale também por lembrar um tempo que já deixou de existir, quando os visitantes ainda ocupavam os setores inferior e superior da arquibancada do Cilindro de Avellaneda:


Vídeo 2: Mais uma bela música: "Hay que poner mas huevos". Este vídeo fica ainda melhor porque acompanha a comemoração de um gol do River contra o Rosario Central (em Rosario):


Vídeo 3: Mais Borrachos del Tablon em Rosario. Os bombeiros jogam água e a hinchada não para de cantar.


Vídeo 4: Um recado dos Borrachos del Tablon para a gente de La 12. A letra segue logo abaixo.

"Ay che Bostero, mira que distintos somos!
Ustedes van con la yuta, nosotros aguantamos solos
Ay che Bostero, que diferencia que hay!
Aca no hay banderas negras, y la hinchada no se va
Vos sos vigilante, esa es la verdad
Venis custodiado al Monumental
Los pibes de River a La Boca van
Todos caminando, sin la Federal!"

Vídeo 5: Mais uma do River no Cilindro de Avellaneda, mas desta vez contra o Independiente - que, com o estádio em reforma, teve de mandar este jogo na casa do maior rival.


Vídeo 6: O bonde segue até Banfield:


Vídeo 7: 1996, o River é bicampeão da América. Antes do jogo, o time é recebido deste jeito aqui:


Vídeo 8: Este vale pela letra.


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Fugindo agora um pouco do assunto principal, o momento é propício para homenagear o Peñarol, bravo vice-campeão da América. O que temos abaixo é um vídeo de reconhecimento aos jogadores, ao "corpo técnico" e à hinchada. Nada de marketing barato, de mensagens artificiais ou de discurso comercial; é só "alma e corazón".

Vídeo 9: Gracias Peñarol!


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_Créditos desta semana: Luiz Romani, Marco Néspoli e responsáveis pelo blog Noticias Manyas, do CA Peñarol.

23 junho 2011

Um estrangeiro em SP



Escrevi já algumas vezes (destaco esta aqui) sobre o significado de ser um torcedor visitante. Já fui forasteiro em estádios do Brasil e do mundo mais de uma centena de vezes, e a sensação é indescritível, por mais que eu me esforce para tentar uma descrição. Já fui estrangeiro em outros países sendo o futebol o mais importante elemento cultural de minhas viagens, já fui defender o Palmeiras em situações nem sempre tão turísticas, já me senti estrangeiro até mesmo em cidades brasileiras onde o ambiente não é dos mais convidativos (em Recife contra o Sport, por exemplo). E, como aconteceu ontem no Pacaembu, já fui estrangeiro na minha cidade.

Não foram poucas as vezes em que estive ao lado de outras hinchadas da América Sul em confrontos contra nossos rivais paulistas. É sempre uma experiência diferente, e não demora muito para você se sentir como parte daquele ambiente, quase como um estrangeiro dentro de casa. Não se trata, como pensam alguns brasileirinhos babacas, filhotes do cretino Tiago Leifert, de um oportunismo típico desses imbecis que só pensam em futebol na fase final; trata-se, isso sim, de se sentir mais à vontade diante da alma uruguaya do que da alienação conveniente do brasileiro. 

Os carboneros vieram em grande número para SP. Mais até que os 2.400 anunciados previamente, uma vez que muitos partiram de Montevideo em direção à capital paulista sem ingressos. Entraram (sabe-se lá como) para empurrar o time à vitória, bem dentro do que se espera de uma hinchada latina. Chegaram cedo, tomaram parte do centro de SP e da Avenida Paulista, colocaram seus ônibus pela cidade para tocar o terror em quem não entendia que estava para acontecer uma final de Libertadores na cidade. Brigaram, fizeram "baderna" (segundo eu li em um site), mostraram o que estava por vir. 

Final de Libertadores é guerra. Como bem disse o Teo ontem à tarde, o lugar das famílias era em casa, assim como o dos canalhas que só aparecem na decisão para se proclamarem campeões de um título pelo qual não fizeram por merecer. Final de Libertadores pede pancadaria, ânimos exaltados, agressividade, tensão ininterrupta. 

Vieram os uruguayos e logo ocuparam toda a arquibancada lilás. Nunca antes aquele setor ficou tão lotado quanto na noite de ontem - nem mesmo quando os grandes da capital ficam ali. Longe de aceitar as imposições dos coxinhas, os hinchas enfileiraram seus trapos por todos os cantos: na grade lá embaixo, na corda dos coxinhas, na marquise lá do alto, nas árvores, nos postes de iluminação, nas laterais com acesso normalmente proibido para os visitantes.

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Repetiu-se o comportamento habitual dos bravos, valorosos e destemidos homens do 2º BP Choque: diante do desconhecido (no caso, barra bravas de outro país), eles tendem a recuar. Evitam entrar no meio das barras, observam à distância, permitem que alguns hinchas fiquem de pé nas laterais da arquibancada, entendem que as leis de promotores vagabundos não se aplicam a estrangeiros. 

A Barra Amsterdam puxava os cantos ali no meio, e a parte mais inflamada da torcida seguia junto. Músicas poderosas, com pedidos de "huevos" e de total entrega ao clube. Um contraste com os desgastados gritos que ecoavam do outro lado (tenho a impressão de ter ouvido algo na linha "com muito orgulho, com muito amor...". Repugnante). Para quem estava no setor lilás, o que mais transparecia era o descompasso entre o ritmo da organizada e o do povão que estava no tobogã. É assim com qualquer torcida brasileira; não é exclusividade dos litorâneos.

 

Lá pelas tantas, converso com um sujeito que foi atrás do Peñarol em Porto Alegre (Internacional), em Santiago (U. de Chile), em Buenos Aires (Vélez) e, para finalizar, em São Paulo. Um feito notável mesmo para doentes incorrigíveis como eu. O discurso-padrão (deste e de outros) era algo na linha "viemos buscar o que nos pertence". É a obsessão pela Copa Libertadores, recentemente compreendida, aceita e seguida pelos brasileiros, mas que já permeia a cultura de um hincha uruguayo ou argentino há décadas. 

Mas não havia apenas barra bravas. Seja pelo preço da passagem e do ingresso ou pela maneira como se distribuíram os 2.400 bilhetes, havia muita gente "das antigas" por ali: senhores já aposentados, executivos de terno, jovens que não pareciam pertencer a uma barra. E também algumas crianças e mulheres. 

Alguns comportamentos da torcida santista não eram bem entendidos pelos hinchas uruguayos. O conflito com quem estava no tobogã era bem reduzido por conta da divisão feita pela PM, mas faltou manter as tendas abaixo do setor lilás, que normalmente isolam a passagem de torcedores "da casa" de quem está como visitante. 

No intervalo, não poucos questionavam: "E o River, quanto está?" Ao saberem do 2-0 para o Belgrano, revelavam incredulidade. De dois ou três, ouvi um murmúrio: "Ai, River, River...". Algo como a minha lamentação por não aceitar o possível rebaixamento de um gigante.

 

E eu já me sentia como um legítimo carbonero, um estrangeiro na minha terra, como se tivesse nascido não ali a poucos quilômetros do Pacaembu, mas em Montevideo. Pois é, eu devia mesmo ter nascido em Buenos Aires ou em Montevideo, cidades que combinam muito mais com a minha alma futebolística. 

Não raro, eu encarava a maioria de santistas do outro lado, e batia aquela sensação de um guerreiro que viaja até onde for para levar o time à vitória diante de uma multidão de inimigos. Parecia mesmo um estrangeiro, e quase pensei que teria ainda de encarar uma madrugada em claro até pegar o voo de volta para casa. 

Do outro lado, a torcida do Santos me surpreendeu. Eu esperava um clima de festa, sem a devida concentração que pede uma final de Libertadores, mas tanto a TJS lá do outro lado quanto o povão pareciam bem conscientes do que estava por vir. Não se repetiu o clima festivo do pré-jogo, aquele mesmo que já derrubou outros clubes brasileiros em finais contra times de fora. Quem foi ao Pacaembu parecia ter entendido o que estava em jogo. Com exceções aqui e ali (e com alguns cantos que irritam pela infantilidade e inocência), o público local se portou bem. O time entrou também com esse espírito, e aí parecia mesmo difícil para o bravo e limitado time do Peñarol segurar o que estava por vir. 

Ao final, o que se esperava de uma final de Libertadores: pancadaria, confusão, socos, pontapés, tumulto generalizado. Isto é futebol, isto é Libertadores, isto é América do Sul. É a mística, é a tradição, é o respeito à camisa. Tem gente que não entende e critica; mal sabem que a briga foi a melhor parte da noite, um mais do que necessário contraponto à forte presença de tantas marcas de empresas no campo, na arquibancada, nos malfadados camarotes. 

Encerrados o jogo e a briga, os jogadores seguiram até a hinchada para agradecer o apoio. Atiraram as camisas para a arquibancada. Aplausos, uma euforia incomum depois de uma derrota e o justo reconhecimento aos que vestiram a camisa aurinegra naquela noite e durante toda a Libertadores/2011. O Peñarol é um gigante e o futebol vive no Uruguay. 

Termino com o "editorial" de um blog de hinchas do Peñarol: "Lo único que podemos decir es que los jugadores dejaron todo, mucho huevo y mucha garra. Nada de fútbol, perdimos bien porque no creamos. Lo único que queremos es agradecer al plantel por habernos hecho soñar y llevarnos hasta la final de América, y agradecer a esta maravillosa hinchada que sigue demostrando porque es la mejor hinchada del mundo. La Copa Libertadores 2011 fue de la Hinchada del Club Atlético Peñarol y de eso tenemos que estar muy orgullosos".

 

“Tenés que dejar el alma y el corazón Tenés que dejarlo todo por Peñarol!"

20 junho 2011

O país do futebol? (22)

O capítulo 22 vai marcar a estreia de alguns países europeus que ainda não tinham aparecido aqui na série. São eles Bélgica, Suécia, França e Dinamarca. Porque um imbecil como Tiago Leifert seria espancado em praça pública em qualquer país que trata o futebol com a importância que ele tem.

Vídeo 1: O Standard Liège bate o Anderlecht por 2 a 0 em casa e leva o Campeonato Belga de 2007/2008, quebrando um tabu de 25 anos sem título. Aí a torcida invade o campo e temos a sequência abaixo:


Vídeo 2: A vez do Anderlecht, também em um clássico contra o Standard. O detalhe é que a torcida do time de Bruxelas, a exemplo do que acontece com Liverpool e Celtic (lembram do capítulo 18?), também canta "You´ll never walk alone".


Vídeo 3: A Suécia me surpreendeu. Fui procurar vídeos de ultras locais sem grande expectativa e aí encontrei algumas boas torcidas, imagens impactantes e uma disposição digna de países como Polônia, Turquia e Grécia. Eis que o vídeo abaixo traz grandes momentos de três boas torcidas na sequência: AIK Fotboll (de Solna, cidade do subúrbio de Estocolmo), Djurgårdens IF Fotboll (de Estocolmo) e Hammarby IF (também de Estocolmo). Detalhe: os maiores clubes suecos não são da capital, mas sim de Malmö e de Gotemburgo.


Vídeo 4: Os ultras do AIK (da periferia de Estocolmo, estão lembrados?) seguem para um duelo decisivo fora de casa contra o IFK Göteborg (de Gotemburgo): vitória do visitante por 2 a 1 e a conquista do Campeonato Sueco de 2009. Boas imagens da concentração em um bar, da estação de trem, do bonde até o estádio, da arquibancada e de uma espetacular invasão de campo. Sim, o futebol também vive na Suécia.


Vídeo 5: A França não é um país que deve ser levado a sério. Não foi à toa o fato de esta série ainda não ter ido ainda até lá. Mas chegou a hora, e vamos ficar com aquele que parece ser o único time decente de lá: o Olympique de Marseille. Começando com um vídeo profissional, muito bem feito, que mostra o ambiente do estádio que, mesmo sem conhecer, eu entendo ser um dos mais bonitos da Europa: o Vélodrome de Marseille.


Vídeo 6: A música mais cantada pelos ultras do OM é "Aux Armes" (às armas), um trecho emprestado da parte mais forte do hino francês, "La Marseillaise": "Aux armes, citoyens/ Formez vos bataillons/ Marchons, marchons/ Qu'un sang impur/ Abreuve nos sillons". Vamos à música entoada no Vélodrome:


Vídeo 7: Um vídeo feito de fora do estádio, só porque assim a arquitetura fica ainda melhor:


Vídeo 8: Eu não consigo explicar as imagens abaixo. Como a recomendação foi feita via Twitter pelo Gabriel Uchida, talvez ele consiga trazer alguma informação sobre a ocorrência tão insólita que temos abaixo. Ah, o país é a Dinamarca, a cidade, Copenhague, e o time, o Badedyrs.

Por outro ângulo.

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_Créditos para Gabriel Uchida (Foto Torcida).

19 junho 2011

Canindé, 5-0 e outros assuntos

Antes do jogo, ainda a caminho do Canindé, eu pensava em escrever um post detonando a opção da nossa diretoria pelo estádio da Portuguesa. Já defendi o Pacaembu algumas vezes - e sempre vou fazer isso -, mas o 5-0 desta tarde de domingo acabou me deixando sem argumentos para fazer isso de maneira tão contundente. Não necessariamente pelo placar de hoje, mas pela sequência de resultados favoráveis no Canindé: em seis jogos no ano (incluindo um como visitante, contra a Lusa), foram seis vitórias e 15 gols a favor, sem nenhum sofrido. A saber: 2-0 na Portuguesa, 2-0 no São Bernardo, 3-0 no Bragantino, 2-0 no Grêmio Itinerante Barueri de Prudente de Barueri, 1-0 no Atlético/PR e 5-0 no Avaí/SC.

Uma campanha monstruosa, em que pese o nível muito baixo de todos os adversários. É bom dizer, por sinal, que o time teve na tarde deste domingo um aproveitamento altíssimo, com conclusões sempre corretas - e isso deve ser enaltecido. De qualquer modo, não se pode criar ilusões a partir disso; a goleada de hoje tem elementos que lembram um pouco a fatídica derrota lá de Curitiba.

Quanto ao Canindé, já disse algumas vezes que é um estádio que eu até gosto de frequentar, mas não sempre. E o que mais me incomoda, além da estrutura um tanto complicada, é a limitação de público, que parece que nunca vai superar a barreira dos 12 ou 13 mil pagantes - e isso é muito pouco! Mesmo porque, com um público desses e a porra da festa junina colocando a torcida mandante no lado oposto, já parece não caber mais ninguém no Canindé. E, me desculpem, não dá para considerar aquelas duas baixadas que não permitem a visão do campo.

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_Nosso próximo jogo em casa acontece em 29/06, quinta-feira, às 19h30. Está marcado para o Pacaembu. Entendo que não dá mais para pedir a alteração, mas vamos aguardar.

_Cicinho e Luan: duas atuações de altíssimo nível. Este blog não é muito de falar sobre jogadores, mas é o caso de reconhecer aqui as participações destacadas dos dois atletas. Kleber, Assunção e Thiago Heleno também mandaram bem.

_OT: descobri hoje que existe um tal de "Boa Esporte Clube" disputando a Série B. PQP, o que estão fazendo com o futebol?

_A semana terminou com um único post. É a falta de tempo, senhores. Só isso.

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_O grande River Plate terá de disputar a Promoción em dois jogos nesta semana contra o Belgrano de Cordoba: quarta fora e domingo em casa. Ainda dá para escapar do pior, mas o susto foi enorme. Fica a torcida, porque time grande não pode cair e porque a hinchada do River é uma das melhores da Argentina (e já tem um capítulo pronto da série "O país do futebol?").

_Fica a torcida também pelo Huracán, que precisa bater o Gimnasia em um jogo único de desempate (na cancha do Boca) e depois superar o San Martin de San Juan na Promoción. Ainda assim, se sobreviver, terá de fazer uma campanha acima da média em 2011/2012 para escapar do descenso.

_Aliás, se o Brasil tivesse um formato semelhante para definir o rebaixamento, somente o Fluminense teria caído. Talvez o Flamengo também, mas certamente os outros não.

13 junho 2011

O país do futebol? (21)

O grande Martín Palermo se despediu ontem do futebol. Não foi o último jogo pra valer, mas foi o último em La Bombonera, estádio onde fez a maioria de seus gols pelo Boca Juniors. Quem assistiu à festa de despedida feita pelo clube a seu maior artilheiro se emocionou. Palermo chorou e fez chorar. A multidão ficou até muito depois do apito final (de um 1 a 1 contra o Banfield) em pleno domingo à noite para dizer adeus a um símbolo do clube. O Boca o presenteou com a trave que fica do lado de La 12. Fato inédito.

Rivalidade à parte, fica impossível não se comover com a sintonia entre torcida, jogador, time, clube e estádio. Impossível não se emocionar com uma cancha tomada já bem depois do jogo, com as declarações de grandes ídolos, com um Maradona que vai às lágrimas em seu camarote, com a hinchada que reverencia pela última vez o seu camisa 9, com a festa da arquibancada, com as imagens de um estádio que é único, com o simbolismo contido na entrega da trave, com o herói que se despede da multidão e desce para o vestiário pela última vez.

Palermo foi um dos grandes do futebol, e a despedida feita pelo Boca Juniors é digna de figurar aqui nesta série "O país do futebol?" e em todos os espaços onde se reverencia o futebol de verdade. A esta altura, imagino, estão envergonhados todos aqueles que fizeram uma outra despedida, realizada há pouco menos de uma semana no país vizinho, também para um camisa 9.

"Martín, te regalamos el arco de Boca. Es tuyo"

A homenagem deste blog segue nos vídeos abaixo, todos eles emprestados lá do excepcional blog Futebol Argentino.

Vídeo 1, a despedida


Vídeo 2, a despedida


Vídeo 3, a despedida


Vídeo 4: A entrevista de Palermo


Tão grandiosa foi a despedida de Palermo que pouca gente se lembrou que naquele mesmo domingo, algumas horas antes, saiu o campeão do Torneo Clausura, o Vélez Sarsfield. Tanto é assim que o diário Olé estampou Palermo em sua capa, deixando o campeão nacional em segundo plano. A manchete resume bem o significado da despedida:


Eis que o Vélez levou o título, mas não teve assim tanta importância. Nem poderia, uma vez que a conquista veio não com o time em campo, mas horas depois, na derrota do Lanús para o Argentinos Juniors (malditos pontos corridos!). O Vélez bateu pouco antes o Huracán fora de casa (2 a 0 no Tomás A. Ducó) e isso me fez lembrar que o título anterior do Vélez (em 2009) veio contra o mesmo Huracán, então em uma decisão épica, com grande participação da hinchada do time da casa, com uma tensão acima do normal e com imagens que não são vistas em qualquer lugar.

E é então que, como maneira de compensar a pouca atenção dada ao título deste ano, vamos fechar o capítulo com um vídeo daquele Vélez Sarsfield 1-0 Huracán de 2009.

Vídeo 5: Tensão no José Amalfitani, a hinchada do Huracán no Tomás A. Ducó, a dramaticidade, a polêmica no único gol do jogo, o "cagones de mierda", a senhorinha cantando depois do gol, a briga, o sangue escorrendo pela testa, a invasão de campo, os hinchas da casa pendurados no alto do alambrado, os jatos d'água... isso é futebol!

10 junho 2011

O país do futebol? (20)

Uma edição extra e com pegada totalmente diferente. Porque há quem diga que o blog é mal humorado, ranzinza e raivoso. É então que este capítulo cumpre o objetivo de trazer um pouco de humor para os que assim desejam. Não que eu faça questão disso, mas calhou de os vídeos da campanha "Hardchorus", da Puma, merecerem fazer parte da série.

Para os que não sabem, a Puma lançou no ano passado uma campanha para o Dia dos Namorados (14 de fevereiro no hemisfério norte). Então veio um comercial (o vídeo 1, logo abaixo) com um grupo de hooligans dizendo o que sentiam por suas namoradas - e também pelo futebol. A coisa toda vale pelo nonsense e pela bizarrice de ver um hooligan cantando uma música romântica - ou algo do tipo. A ideia conquistou as torcidas europeias, e surgiram versões por todo o continente - e por outros também.

Vamos lá:

Vídeo 1: Começou com esses caras em um legítimo pub inglês:

Tem uns figuras aí que parecem saídos diretamente do filme "Hooligans" ou então de qualquer torcida britânica. É uma das coisas mais surpreendentes que eu já vi.

Vídeo 2: Veio então a versão italiana, com uma boa escolha: "Ti Amo". Ganhou até prêmio em Cannes, o mais importante festival de publicidade do mundo.


Vídeo 3: Vieram então os alemães, e aí fica mais difícil entender o que cantam os sujeitos. Mas o lance é o mesmo.


Vídeo 4: O da Lituânia é um dos que eu mais gosto. Vejam só as criaturas que aparecem abaixo:


Vídeo 5: Aí surgem os coreanos e... bom, aí não dá pra levar a sério.


Uma busca rápida no YouTube (por "Hooligans Puma" ou "Hardchorus") vai trazer versões da França, da Polônia, da Rússia, da Ucrânia, de cidades menores dos grandes países... e até dos EUA, vejam só. É evidente que a coisa só não chegou até o Brasil porque... bom, os 19 capítulos anteriores desta série já explicaram isso.

09 junho 2011

Parabéns, Vasco!

Parabéns aos irmãos do GRANDE Clube de Regatas Vasco da Gama, campeão da Copa do Brasil! Porque times grandes são sempre grandes, e os pequenos nunca deixarão de ser pequenos. 

O Vasco segue sua trajetória gloriosa. Assim é o futebol!

Viva o Rio de Janeiro! Viva a zona norte! Viva a Tijuca!

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_A rua Caraibas, bem do lado do Palestra, virou ontem a casa da 23ª Família da Força Jovem Vasco!

07 junho 2011

Romário e a guerra perdida


Já fui 707 vezes a estádios. Fui só uma vez a um jogo da seleção brasileira. E fui não pela seleção, mas pelo jogador que teve aquele duelo em sua homenagem. Fui ao Pacaembu na noite de 27 de abril de 2005 porque aquela foi a última atuação de Romário com a camisa amarela. Não que a seleção faça algum sentido para mim nos dias atuais, mas os tempos de Romário foram outros.

Se Ronaldo é fenômeno, Romário é deus. Romário é tão maior que Ronaldo que nem dá para estabelecer um parâmetro de comparação entre os dois. Romário foi maior em campo e fora dele. Romário foi o símbolo de uma época perdida. Romário venceu uma Copa sozinho. Romário foi monstruoso. Romário foi o representante máximo de uma geração. Romário foi autêntico.

Pacaembu, 27 de abril de 2005. Não faz tanto tempo assim. Mas foi antes de o futebol brasileiro ter sua morte decretada com a confirmação da Copa/2014. Foi antes de assassinarem o Maracanã, foi antes de o "Padrão Fifa" nos tomar de assalto, foi antes de os velhos malditos tomarem conta de tudo.

Romário disse adeus em 2005, e com ele se foi uma época.

A arquibancada naquela noite custou R$ 10. Repetindo: 10 reais. Eu, então estudante, paguei míseros R$ 5 por um ingresso de arquibancada. Foram à cancha municipal 36.235 pagantes, proporcionando uma renda de R$ 375.897.



Apenas seis anos se passaram, e os ingressos sofreram um reajuste indecente, obsceno, absurdo. Passaram de R$ 10 para R$ 150.

A arquibancada foi estuprada. Não existe mais público, mas plateia. Não há mais geral, o que existe é setor VIP. Nada de bandeiras ou faixas, mas uma balada foi montada onde antes era arquibancada. Cantos escolares surgem aqui e ali, uma música de vôlei é só o que sai das gargantas de nego que deixou R$ 150 na bilheteria. Não é mais esporte; é entretenimento para boçais. O marketing tomou conta de tudo. Roubaram o futebol do povo.

Perdemos a guerra.

06 junho 2011

O país do futebol? (19)

Este capítulo traz um compilado de bons vídeos de ultras europeus, todos de fora dos grandes centros: Grécia, Áustria e Bulgária. E aí aproveito para lembrar aos visitantes que todos os 18 capítulos anteriores desta série estão disponíveis aí na barra lateral do lado direito ou então neste link.

Vídeo 1: As torcidas da Grécia, todos sabemos, estão entre as melhores da Europa. Mas a atenção fica normalmente restrita aos times de Atenas: Panathinaikos, Olympiakos e AEK. Vamos sair de lá e seguir para Tessalônica, a segunda maior cidade do país. É lá que fica o Aris FC, com ultras que não ficam muito atrás daqueles da capital. Vejam, por exemplo, o espetacular recebimento da torcida local em um amistoso disputado contra o Boca Juniors, em 2009:


Vídeo 2: Não é à toa que eles costumam chamar o estádio deles de La Bombonera da Europa. Mais um pouco:


Vídeo 3: Esses caras do Aris são mesmo fora do comum. Vale mais um vídeo, agora com uma pegada mais profissional:


Vídeo 4: Viena, a capital austríaca, é uma das cidades mais limpas, organizadas e educadas da Europa. Repleta de museus, parques e largas avenidas, tem também um forte movimento de ultras. Destaque aqui para a torcida do Rapid Wien:


Vídeo 5: O Rapid Wien perdeu recentemente o clássico vienense para o rival Austria Wien. A torcida do Rapid, em maior número, não digeriu bem os 2 a 0, invadiu o campo e deu por encerrado o duelo:


Vídeo 6: A primeira aparição das torcidas búlgaras vem com o CSKA Sofia, um dos grandes da capital. Jogo em casa, foco na curva:


Vídeo 7: Esses caras da Bulgária são incendiários:


Vídeo 8: Grande trilha sonora para mostrar os ultras do CSKA Sofia desafiando os coxinhas. Vai pra baixo o alambrado e a força policial não consegue chegar perto dos caras:


Vídeo 9: O inimigo do CSKA no dérbi de Sofia é o Levksi Sofia. Agora, imagens da torcida do Levski antes do clássico búlgaro:


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Créditos desta semana: Luiz Romani e Ricardo del Sole.

Um parágrafo que diz muito

Leio nos jornais, com interesse bem reduzido, que a seleção brasileira empatou no sábado com a Holanda - ninguém falou sobre isso no Canindé. Observo que foi o primeiro jogo em solo brasileiro desde 2008. Parece também que tentaram fazer deste jogo em Goiânia - que nem sede da Copa/2014 será - uma experiência para atender às exigências canalhas dos velhos imundos da maldita Fifa (e sim, os muitos adjetivos são necessários). E aí, para completar, vejo que "Hostil, torcida goiana grita 'timinho' e vaia" (matéria da FSP). Para amarrar isso tudo, lembro de ter lido durante a semana que o ingresso mais barato para este tal amistoso era vendido por módicos R$ 150. E isso tudo, em um parágrafo, resume bem o que estão fazendo com o futebol no Brasil...

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_6 de junho de 2011. Lá se vão 11 anos desde o dia em que o Palmeiras foi mais Palmeiras do que nunca! Leiam este e este posts.

05 junho 2011

As nossas notícias

A imprensa esportiva vai nos bombardear nos próximos dias com as seguintes "notícias": (1) o Palmeiras tem um ataque ineficiente, com média de apenas um gol a favor após três rodadas; (2) o alviverde é refém das bolas paradas; e (3) o time é limitado e ainda não convenceu. Foram estes os argumentos no pós-jogo e será assim ao longo da semana. Todas as três são verdadeiras, tanto quanto as que se seguem: (1) o Palmeiras tem sete pontos em três jogos, e sua defesa levou apenas um gol; (2) apenas um dos nossos três gols saiu em jogada pelo alto; e (3) jogamos uma vez no interior, uma outra bastante complicada, fora, contra um dos favoritos ao título, e apenas uma em casa.

Eu bem sei, palestrino, que não dá para se contentar com o que vimos até aqui. A situação ainda está longe de ser satisfatória, mas temos o direito de ao menos comemorar os dois 1-0 como mandante e o bom empate lá em MG. São sete pontos que podem não dizer muita coisa - e não dizem mesmo -, mas ao menos eles vieram. Portanto, o jeito é levar a campanha pelo lado positivo, porque o papel de imprensa é sempre tentar desmerecer o que alcançamos.

E nenhum placar pode ser tão bom quanto o 1-0.

Boa vitória, Palestra!

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_Definitivamente: não dá pra ficar tanto sem ir ao estádio. Finalmente chegou ao fim o recesso de 25 dias sem jogos em SP.

_Sei que tem a tal festa junina, mas não dá pra entender aquela inversão dos acessos para torcida mandante e visitante no Canindé. Fizeram uma bagunça enorme ontem à tarde. Espero que os próximos jogos, sem interferência externa, sejam no Pacaembu.

_Kléber tomou o terceiro amarelo. Após apenas três jogos. Pensando bem, até que não é ruim ele cumprir a suspensão contra o Inter lá no Beira-Rio. Afinal, jogando bem ou jogando mal, com time titular ou reserva, o resultado costuma ser sempre o mesmo.

02 junho 2011

Turiassu, 1840

Tenho evitado ir ao lugar que sempre foi a minha segunda casa. A dor de ver um enorme vazio bem naquele espaço onde passei alguns dos melhores momentos da minha vida não é nada fácil de encarar. Não estou indo ao clube (embora continue pagando as mensalidades normalmente), fujo de qualquer encontro ou reunião lá dentro e procuro sempre não deixar o olhar escapar para a direita quando passo pela Turiassu. Difícil conseguir. E aí, quando vejo aquilo tudo, não dá para segurar as lágrimas.

Divido então com vocês o brilhante e incomparável texto de Ugo Giorgetti, publicado no domingo último em O Estado de S.Paulo. Resume muito do que eu sinto - e, imagino, vocês também:


O que se vê da rua
*Ugo Giorgetti

Ninguém passa indiferente. Operários, gente do povo, gente que apenas espera o ônibus, executivos, senhoras carregando sacolas cheias de compras, todos param um instante e olham. Muitos param mais tempo.

Ficam colados à grade apenas olhando, creio que esses sejam os torcedores. Não falam, quase ninguém fala. Apenas um e outro arrisca algum comentário rápido, furtivo. Não propriamente melancólicos, mas sérios. Aparecem às vezes trazendo consigo crianças e, então, crianças e adultos se perdem na mesma silenciosa contemplação. Diante deles estão as ruínas. Pedaços enormes de concreto e cimento que se amontoam, e entre esses restos, algumas partes ainda intactas da antiga e majestosa construção. Só na solidão, só quando estão vazios e abandonados é que certos espaços adquirem sua verdadeira dimensão. E o lugar parece cada vez maior a medida que máquinas e homens o destroem. Até a semana passada tudo era silêncio e abandono nas ruínas. Houve, por razões obscuras, uma pausa, uma suspensão dos trabalhos e, com os dias, as ruínas começaram a adquirir um aspecto de permanência, quase de eternidade, como um Coliseu deslocado nos trópicos. Esta semana, subitamente como tinha parado, o movimento dos destruidores recomeçou.

Os passantes, indiferentes às obras paradas ou não, seguem olhando, paralisados, em silêncio. Muitos deles talvez nunca tenham antes entrado naquele espaço. Muitos deles talvez estejam vendo esse mítico lugar pela primeira vez nessas estranhas circunstâncias, como se fossem convidados a assistir a autópsia pública de alguém muito famoso.

Outros, porém, claramente o conheceram bem. Vejo pessoas procurando com os olhos o lugar onde costumavam se acomodar. Da rua, agora, pode-se ver tudo. Alguém teve a sinistra ideia de primeiro derrubar o que impedia a visão de quem olha da rua.

Tudo o que era apenas adivinhado, pelos gritos e exclamações, tudo o que apenas o som da multidão contava, agora pode ser visto. E as pessoas na rua olham fixamente o campo, ou o que restou dele. O gramado já não se vê mais. Um mato miúdo cresceu em primeiro plano, e nada se pode ver depois dele. Se, pelo menos, ainda restassem as traves, alguma orientação seria possível, mas não há mais traves.

Podem ser vistas ainda, ironicamente, apenas duas armações de acrílico, curvas, feias, destinadas a proteger o banco de reservas da chuva e de outros materiais mais sólidos atirados pela torcida. Sobre essas horrendas armações, bem visíveis, o nome de um patrocinador ainda nítido, como se fosse a única coisa permanente no meio de tanta coisa que se vai.

O que não deixa de ser a verdade do momento em que vivemos.

Como os outros passantes, também paro e olho. Procuro eu também o lugar em que costumava sentar. Estico o pescoço em busca dele. Não há mais nada.

Posso ver, no entanto, outros e familiares lugares. A curva majestosa sob o placar ainda está lá, suja e descuidada como um condenado à morte. No meio dela, vestígios do placar com o distintivo glorioso do clube milagrosamente intacto. Da curva, meu olhar vai para o resto da arquibancada, a antiga geral, onde se aglomerava o povão, as organizadas, no centro do campo, o melhor lugar do estádio. Parte dela se equilibra precariamente, outra parte já ruiu, simbolicamente e, de novo, ironicamente, o lugar exato onde ficava a principal torcida organizada.

Não sei o que pensar, não sei o que estamos perdendo. Mas estamos. Toda destruição é uma perda.

Talvez os peregrinos que vão até esse lugar e se apoiam na cerca olhando a devastação estejam procurando avaliar o que estão perdendo. Porque as marteladas não podem atingir as memórias e tenho certeza que diante de todos, torcedores do clube ou não, ao passar por esse lugar alguma coisa os atinge, como quem atravessa algum célebre campo de batalha, lendário, fabuloso. Lá se travaram grandes duelos, lá houve grandes vitórias, grandes conquistas e grandes derrotas. Desfilaram por lá as maiores equipes do Brasil e da América do Sul em combates inesquecíveis. Lá foi o estádio de um grande. Fica na Rua Turiaçu, Perdizes.