25 dezembro 2010

Assassinos do Maracanã

"Você já entrou, alguma vez, num estádio vazio? Experimente. Pare no meio do campo, e escute. Não há nada menos vazio que um estádio vazio. Não há nada menos mudo que as arquibancadas sem ninguém.
Em Wembley ainda soa a gritaria do Mundial de 66, que a Inglaterra ganhou, mas aguçando o ouvido você pode escutar gemidos que vêm de 53, quando os húngaros golearam a seleção inglesa. O Estádio Centenário, de Montevideo, suspira de nostalgia pelas glórias do futebol uruguaio. O Maracanã continua chorando a derrota brasileira no Mundial de 50. Na Bombonera de Buenos Aires, trepidam tambores de há meio século. Das profundezas do estádio Azteca, ressoam os ecos dos cânticos cerimoniais do antigo jogo mexicano de pelota. Fala em catalão o cimento do Camp Nou, em Barcelona, e em euskera conversam as arquibancadas do San Mamés, em Bilbao. Em Milão, o fantasma de Giuseppe Meazza mete gols que fazem vibrar o estádio que leva seu nome. A final do Mundial de 74, ganho pela Alemanha, continua sendo jogada, dia após dia e noite após noite, no estádio Olimpico de Munique. O estádio do rei Fahd, na Arábia Saudita, tem palco de mármore e ouro e tribunas atapetadas, mas não tem memória nem grande coisa que dizer."
Eduardo Galeano, em "Futebol ao Sol e à Sombra"



A tal arquiteta que projetou o "novo" Maracanã deu agora para aparecer em tudo quanto é lugar. Ela aparece, vomita merda atrás de merda, e a imprensa, em sua grande maioria, só noticia, sem se dar conta que está sendo cúmplice da destruição do maior monumento do futebol no mundo. O Maracanã, o estádio mais lindo que pode existir, está sendo completamente destruído para dar lugar a um ambiente que melhor vai atender aos interesses de meia dúzia de velhos caquéticos da Fifa e a outros tantos empreiteiros vagabundos. Tudo isso ao custo de mais de bilhão de reais, como se houvesse dinheiro sobrando e como se o torcedor de futebol fosse se beneficiar de alguma forma disso tudo.

Aí a tal arquiteta aparece na TV, o crápula Ricardo Teixeira enfim realiza a aspiração de por abaixo o Maior do Mundo e os velhos da Fifa garantem um lugar mais confortável para instalarem suas bundas decrépitas durante um único e maldito mês, o da Copa-2014. Perde o futebol, perde o torcedor, perde o Brasil. Tudo, como bem resume Lúcio de Castro, em um post definitivo sobre o assunto, "sob o argumento que sempre encanta a alguns tolinhos: a modernização. Uns se encantam por idiotice mesmo, outros por interesses e picaretagem".

Já escrevi inúmeros posts sobre o assunto, mas minha revolta só faz aumentar a cada vez que recebo novidades sobre o assunto ou, pior, a cada vez que são exibidas as imagens de um templo sagrado que vem abaixo para atender a interesses nefastos. E este post, atemporal e necessário em meio ao silêncio das férias, é uma maneira de registrar novamente meu inconformismo e, mais que isso, reunir em um só lugar toda uma série de pensamentos de pessoas que, como eu, não são cúmplices do assassinato do Maracanã.

Deixo abaixo algumas indicações, e o espaço dos comentários está aberto para a colaboração dos internautas, no aguardo de sugestões de outras fontes que não sejam cúmplices de um crime sem precedentes na história do futebol. É só postar nos comentários, e eu depois acrescento tudo isso à versão final deste texto. Obrigado aos leitores e a todos os que não compactuam com esse crime.

Os criminosos de 2014
Forza Palestra, 24.08.2010

O novo "Maracanazzo"
Paulo Calçade, ESPN (09.12.2010)

E seguem destruindo o futebol...
Eduardo Goldenberg no Buteco do Edu (02.12.2010)

O meu Maracanã e o Maracanã dos proxenetas
Lúcio de Castro, ESPN (26.08.2010)



A foto acima, do blog do Paulo Calçade, mostra a alma do Maracanã sendo removida a cada dia, a cada pedaço de cimento que é retirado da arquibancada e da antiga geral. É a prova de um crime sem precedentes. Dirigentes inescrupulosos, a arquiteta vagabunda, Teixeiras, Havelanges, empreiteiros oportunistas, velhos que não viverão para ver a destruição de um templo sagrado, jornalistas esportivos que não pisam em estádios, os idiotas da modernidade, são todos cúmplices.

10 dezembro 2010

Passar bem, 2010

Acabou o ano maldito. As cinco derrotas que fecham a temporada dão a medida exata de tudo o que tivemos de aguentar de janeiro para cá. Não apenas pela sequência negativa, mas porque foram cinco fracassos acompanhados ou de decepção extrema e irreversível (um deles) ou de interesses invertidos (outro) ou de profundo desinteresse (todos os demais). Perdemos neste final de ano todo e qualquer prazer de ver o Palmeiras em campo. Foi uma temporada ainda pior que a de 2009, que, por sua vez, foi pior que a de 2008... e assim caminhamos rumo a um futuro nada promissor. Relendo agora os posts finais de 2006, 2007, 2008 e 2009, vejo que o inconformismo, a desesperança e a decepção de agora muito se assemelham ao que sentimos em anos anteriores, e isso é por demais preocupante.

Os números de 2010 (75-30-23-22) são dignos dos piores anos da década de 1980, e isso enseja raciocínios e conclusões os mais tortuosos possíveis. Deixando-os de lado, no entanto, temos um ano com muito pouco o que comemorar.

Vivemos um primeiro semestre esquecível, com a 11ª colocação no Paulistão (que vergonha...) e uma bizarra eliminação para o CAG. Aí, quando tudo parecia tomar rumos mais condizentes com a nossa história, com a volta de três grandes ídolos, o Palmeiras sucumbiu aos muitos fantasmas de seu passado recente: vegetou no Campeonato Brasileiro de pontos corridos (uma campanha 12-14-12, com saldo de gols negativos) e viveu uma das noites mais vergonhosas de sua história – e mais dolorida para grande parte de sua torcida – ao permitir que o Goiás fosse a Avellaneda no nosso lugar.

Trágico. O ano perdido, mais um, é, se pensarmos bem, o desfecho bem adequado de uma década igualmente perdida. De outros anos, no entanto, até que conseguimos levar algumas alegrias mais consistentes: uma final aqui e ali, uma classificação na base do “Aqui é Palmeiras”, uma virada felipônica, uma grande vitória fora de casa, coisas do tipo. De 2010, pouca coisa fica. Talvez só mesmo os 3 a 0 diante do Vitória, a vaga conquistada na Arena da Baixada e as festas da torcida. É pouco, muito pouco. Mais do que a década perdida, o que devemos temer é por uma geração perdida.

***

*Comecei este ano querendo tirar o pé das viagens para longe de casa e até consegui durante o Paulistão. Mas aí veio o Brasileiro, e as viagens para Rio (2 vezes), Porto Alegre, Campinas, Santos, Araraquara e até mesmo Sucre, no meio das férias. A viagem principal, esta para Buenos Aires, nos foi tomada pelos vagabundos que desonraram nossa camisa na noite de 24 de novembro. Eles nunca serão perdoados.

*O blog entra em férias agora, e eu pretendo voltar só no começo do Paulistão. Até lá e bom fim de ano a todos.

09 dezembro 2010

Tudo no lugar

A entrada do Goiás no gramado do estádio Libertadores de América foi uma afronta ao futebol. Tanto quanto na ocasião em que a mentira São Caetano foi ao Defensores del Chaco para uma final de Libertadores, algo ainda maior que a decisão de ontem. Os dois foram batidos nos pênaltis, tendo mais peso para isso a camisa do adversário de fora (Olimpia, 3 Libertadores, em 2002; e Independiente, 7 Libertadores, agora) do que propriamente o que foi apresentado na cancha.

Fica o alívio para quem vive o futebol com intensidade. Se os vagabundos que vestem a camisa do Palmeiras foram incapazes de colocar o Goiás no seu devido lugar, eis então que a tarefa foi cumprida pelos amargos de Avellaneda. E o Goiás, que teve tudo para ficar com o título no tempo normal e na prorrogação, foi derrotado pelo peso da camisa do adversário, pelo nome da cancha e, mais que tudo, por ter afrontado o futebol ao ousar pensar em um título que um clube de merda como ele jamais poderia vencer.

Eu tinha prometido não ver o jogo e evitar uma tortura ainda maior, mas não resisti. Passei o dia de ontem pensando no que estaria fazendo em Buenos Aires (e depois em Avellaneda). Imaginei meu dia na cidade que tanto amo, imaginei estar com meu irmão e muitos outros amigos defendendo as cores do Palmeiras mais uma vez fora do país, imaginei onde iríamos comer, por onde iríamos andar, as Quilmes que iríamos derrubar, a expectativa crescendo mais e mais até a hora do jogo. Imaginei até os eventuais confrontos contra os amargos, as pedras vindo em nossa direção, o sufoco para entrar e sair da cancha, os gritos de guerra, o enfrentamento com outro grande sul-americano. Imaginei isso tudo, da chegada a Ezeiza ao que faríamos depois do jogo, na noite de Buenos Aires - e, de certa forma, o que passava pela minha cabeça era a oportunidade de, ao lado de grandes amigos, viver na capital portenha uma madrugada mais alegre do que a vivida no ano passado em Montevideo. Era a oportunidade de fazer a história do Palmeiras.

Isso tudo ficou passando pela cabeça durante todo o dia, e aí, quando veio o jogo, percebi que seria preciso ao menos assistir àquilo tudo para me certificar de que o futebol seria respeitado. Se não foram capazes disso os vagabundos que vestiram a nossa camisa naquela noite de 24 de novembro, ao menos um clube argentino colocou as coisas no lugar. Sem time, sem forças, sem preparo físico, sem nada a não ser o peso da camisa. E ao Palmeiras bastaria entender que a camisa ganha o jogo para que fôssemos nós a comemorar ontem um título inédito e tão merecido para uma torcida que não cansa de acreditar na grandeza de um clube que deixou de acreditar nisso.

06 dezembro 2010

Viva os pontos corridos

Antes da despedida deste ano maldito, um post sobre o encerramento daquele que foi um dos mais desagradáveis entre todos os modorrentos Campeonatos Brasileiros de pontos corridos. Reforço meu ódio incondicional por esse sistema de disputa e, em atenção aos meus leitores, deixo aqui as indicações para textos anteriores que contemplam quase todos os meus argumentos contra esta praga do futebol moderno. Vejamos:

A desmoralização dos pontos corridos (30.11.2009)

O que nós perdemos (03.09.2009)

Sobre pontos corridos e distorções (04.11.2008)

Deixarei para o próximo post (o último do ano) todos os comentários sobre Palmeiras. O debate que se faz necessário agora é outro e eu tentarei ser breve:

1. O 6-3-3 foi uma balela inventada por um marqueteiro e levada adiante por alienados. Estava bem de acordo com o público-alvo. Dois anos depois, outra torcida desta capital, logo aquela que se diz diferenciada, também caiu na lábia de publicitários idiotas e inunda a internet com a tal hashtag #maiorqueissotudo. Mais uma falácia, em especial porque criada não pela torcida, mas por marqueteiros de uma certa marca esportiva. Pior: algumas das criaturas que despejam a expressão supostamente de efeito nunca botaram os pés em um estádio, tampouco fizeram algo pelo clube que dizem amar. Nego 'comprou' o discurso de uma empresa e passou adiante (por sinal, acontece o mesmo com a bandeira que sobe no tobogã, certo?).

2. Ah, quer dizer então que os torcedores do SCCP vivem do clube e não de títulos, é isso? Pois é então que sou obrigado a voltar à história do monopólio do sofrimento. Sem me aprofundar, mas à luz daquele debate, direi apenas o seguinte: tal frase já foi dita antes por torcedores do Palmeiras e, acredito, por gente de outros clubes, e não tem nada de criativa. Viver do time e não de títulos é pressuposto de qualquer torcedor de futebol, e não configura a diferenciação tão desejada - e nunca alcançada - por esses caras. Todo torcedor deve viver do seu clube, e quem pensa o contrário é um pária no mundo do futebol.

3. Por fim - e pra encerrar essa pataquada -, me sinto no dever de dizer que nenhuma outra torcida vive tanto do seu clube quanto a da Ponte Preta. Porque, afinal, se vivessem de títulos, estariam todos mortos por absoluta falta de recursos.

4. Tem nego aí que precisa pensar um pouco (e só um pouco mesmo) antes de escrever certas merdas.

5. Aliás, nego precisa parer de se fazer de vítima e de se iludir com falácias retroalimentadas por eles próprios. Quando qualquer grande clube é derrotado, seus torcedores são vítimas de piadinhas, ofensas, "chupas" e o escambau. Acontece com todos os grandes. Ninguém tem compaixão pela dor alheia e isso faz parte do futebol. Chega de buscar diferenciação onde não existe e de querer ser maior do que é. Isso beira a insanidade.

6. Aqui o futebol é levado a sério e não há espaço para piadas ou qualquer tipo de graça. Mas o futebol agradece pelo desfecho do BR-10. Fica aqui um breve "Chupa!".

7. Parabéns aos defensores dos pontos corridos. Foi um campeonato emocionante, não houve nenhuma suspeita, não se desvirtuou o sentido dos jogos, não houve 13 clubes que entraram em campo sem vontade na última rodada e o campeão ainda pôde dar a volta olímpica com a taça. É brilhante! Vocês estão todos de parabéns.

01 dezembro 2010

"Soccernomics"


"Soccernomics". Desconsiderem, por favor, a inadequação do título, uma vez que soccer remete à nomenclatura dos americanos para aquilo que o mundo todo conhece como futebol (soccer é o caralho!). Isso posto, cabe dizer o seguinte: estou sempre mergulhado em algum livro sobre futebol, mais ainda diante de decepções que me levam a buscar uma razão para continuar com essa dedicação absurda pelo futebol. O livro da vez é este "Soccernomics", uma obra sem paralelo na infelizmente pouca literatura que temos sobre futebol. Ao subtítulo: "Por que a Inglaterra perde, por que a Alemanha e o Brasil vencem, e por que Estados Unidos, Japão, Australia, Turquia - e até mesmo o Iraque - estão destinados a tornar-se os reis do esporte mais popular do mundo".

Instigante, não? A verdade é que ainda estou concluindo a leitura, mas, em tempos tão lamuriosos, me permito já fazer um post sobre isso, até mudar um pouco o foco e buscar algo de agradável no futebol. Não que o livro seja assim uma obra-prima (a bem da verdade, tem lá alguns capítulos bem maçantes), mas é bastante original e vale pela abordagem, pela tentativa de fazer um estudo racional do futebol (mas sem esquecer da sua essência) e pela introdução de conceitos de economia (soccer + economics, entenderam?) para avaliar o futuro do esporte no mundo. Importante: o livro não toma partido de nada, nem mesmo do tal futebol moderno que inferniza a vida de quem gosta efetivamente do esporte.

Até para espantar alguns filhotes de Juca Kfouri que invadiram o blog nos últimos dias, deixo aqui uma recomendação para o livro. É válido para todos que gostam de futebol, e pode ser encontrado em qualquer dessas grandes livrarias (há edições em Português e em Inglês).

Em linhas gerais, o livro está dividido em três grandes áreas: "Os clubes", "Os torcedores" e "Os países". É evidente que o mais interessante para mim está na segunda parte, e, mais precisamente, no capítulo "Os torcedores de futebol são polígamos? Uma crítica do Modelo Nick Hornby de Torcedor" (em tradução livre, uma vez que tenho em mãos a versão original, em Inglês). Os autores procuram avaliar quem são os torcedores como Hornby (e como eu e muitos de vocês), à luz da obra-prima "Fever Pitch", tantas e tantas vezes exaltada por este blog (procurem os posts do começo deste ano).

Para ilustrar isso tudo, me dei ao trabalho de digitar (sim, digitar) dois pequenos trechos selecionados de maneira quase aleatória:

Página 208 ("Spectators: the hard core"):

“One might carp that the sod-that-for-a-lark lor are mostly just armchair fans, and that the “real” fans tend to be Hornbys. However, it would be wrong to dismiss armchair fans as irrelevant. The overwhelming majority of soccer fans, in the sense that they hardly ever go to games. In a Mori poll in 2003, 45 percent of British adults expressed an interest in soccer. But we´ve seen that the total average weekly attendance figures of all professional clubs in England and Scotland equal only about 3 percent of the population. In other words, most of the country´s soccer fans rarely or never enter soccer stadiums”

Página 209 ("Hornbys, Clients, Spectators and Others"):

"As usual, it was Arsène Wenger who put this best. In January 2009 he gave Arsenal´s Web site an untraditional account of how he thought fandom worked. "Soccer has differente types of people coming to the game", he said. "You have the clients, who is the guy who pays one time to go to a big game and wants to be entertained. Then you have the spectator, who is the guy who comes to watch soccer. These two categories are between 40 and 60 [years old]. Then you have two other categories. The first is the supporter of the club. He supports his club and goes to as many games as he can. Then you have the fan. The fan is a guy between 15 ans 25 years old who gives all his money to his club".